Medicina de Família, futuro dos sistemas de saúde

Em entrevista ao PULSO, Zeliete Zambon explica a importância da especialidade, que deve ter papel central na expansão necessária do SUS. Um bom recomeço é a ampliação do Mais Médicos, que aumenta a oferta de profissionais da área

Foto: Everson Bressan/SMCS-Curitiba
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Zeliete Zambon em entrevista a Gabriel Brito

A especialidade do futuro. É assim que Zeliete Zambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família, em entrevista ao PULSO, define a Medicina de Família e Comunidade, especialidade basilar da atenção primária de qualquer sistema público de saúde. No caso do Brasil, com sua imensidão territorial e populacional, tal profissional é chave na garantia da universalização do acesso à saúde.

No programa semanal do Outra Saúde no Youtube, Zambon detalhou o caráter estratégico desta especialidade, ainda pouco compreendida pelo público. “É uma medicina de atenção primária, com prevenção, promoção de práticas de saúde e assistência. Orienta as pessoas com suas necessidades”. O Médico de Família e Comunidade (MFC) é o divisor de águas entre dois modelos de saúde: o preventivo e o curativo. O primeiro é imensamente mais barato. O segundo, baseado numa espécie de “consumismo” em saúde, busca tratar a doença, mas não as suas causas. 

“Exemplo prático: a pessoa tem uma lombalgia [dor na lombar]. Perde muito tempo, dinheiro e demora a fazer diagnóstico, porque procura neurologista, ortopedista, tateia no escuro a causa do seu problema. O médico de família avalia as razões da dor. Pode ser infecção urinária, uma dor muscular, hérnia de disco na coluna, infecção intestinal, um câncer, pode ser muita coisa”, explica Zambon. Essa especialidade faz um acompanhamento ao longo do tempo, investigando e conectando os problemas que o paciente apresenta com suas condições de vida, alimentação e trabalho. 

“Assim, a Medicina de Família resolve de 80% a 90% dos problemas. O restante encaminha para os especialistas, mas em geral apenas 15% dos casos chegam a isso. É este o papel da Atenção Primária, é assim que se inicia um sistema de saúde, é a partir daí que a pessoa deve cuidar de sua saúde e receber direcionamento”, destaca. No caso do Brasil, onde 75% da população depende exclusivamente do SUS, tal profissional é crucial na garantia da universalização do acesso à saúde, uma das premissas fundamentais do pacto democrático estabelecido por aqui em 1988. 

Ciente disso, o novo Mais Médicos, que bate recordes de inscritos em seu primeiro edital, traz planos de progressão de carreira para os profissionais em processo de formação, com incentivos à conquista do título de especialista em MFC. Tal medida é fundamental pois, como explica Zambon, o Brasil tem 11 mil médicos de família e precisa formar cerca de 50 mil profissionais da área para dar conta das necessidades do SUS.

“Por baixo, são 40 mil unidades básicas de saúde no país, algumas delas carentes de uma quantidade maior de médicos de família. Calcula-se uma média de 3,5 mil pessoas para cada profissional. Algumas unidades atendem 20 mil, 30 mil pessoas, portanto, precisam de mais médicos, o que nos leva a concluir que precisamos de algo em torno de 60 mil”, equaciona Zambon. Mas ela explica que esses profissionais não são necessários apenas na assistência: “Precisamos na gestão, no ensino, na preceptoria, na formação de recursos humanos, por isso calculamos uma quantidade maior, pois pensamos também na formação”.

Ela destaca que esses são os números “só na saúde pública” porque, agora, o setor privado também abre os olhos para a especialidade. “Porque entendeu que está se aproximando de uma falência, de uma falta de recursos, justamente por ter estimulado por muito tempo um modelo de consumo de saúde pautado na indústria farmacêutica e de exames. Isso acabou sufocando o próprio sistema privado de saúde”, explicou.

Dessa forma, não é exagero afirmar que o médico de família representa a medicina do futuro. Isto é, um modelo de prevenção, cuidado e acompanhamento, com diminuição do peso dos hospitais como símbolos da garantia de acesso à saúde. Um modelo mais saudável em termos também econômicos, pois poupa gastos, públicos e privados, em variadas dimensões. 

Na entrevista ao PULSO, Zeliete Zambon ainda analisou mais profundamente os incentivos oferecidos pelo governo na nova versão do Mais Médicos e os potenciais benefícios da telemedicina no SUS. Confira o vídeo.

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