Iraque: amargo regresso dos EUA

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Wallerstein analisa nova derrota internacional de Washington. E antevê um avanço dos xiitas que, paradoxalmente, pode não interessar ao Irã

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Daniela Frabasile

Agora é oficial. Todas as tropas norte-americanas — com uniforme dos Estados Unidos — serão retiradas do Iraque em 31 de dezembro de 2011. Podemos interpretar essa decisão de duas maneiras. Uma delas segue a visão do presidente Barack Obama: é o cumprimento de uma promessa eleitoral feita em 2008. A segunda é a interpretação dos candidatos republicanos à Presidência. Eles condenaram Obama por não ter feito o que dizem que o Exército dos Estados Unidos queria, que é manter alguns soldados depois de 31 de dezembro para treinar o exército iraquiano. De acordo com Mitt Romney, a decisão de Obama é “o resultado de um cálculo político ou simplesmente inaptidão nas negociações com o governo iraquiano”.

As duas explicações não têm sentido, e são meras justificativas para os eleitores. Obama tentou ao máximo — e em total conjunção com os comandantes do exército e com o Pentágono — manter as tropas norte-americanas depois de 31 de dezembro. Mas falhou, não pela inaptidão, mas porque os líderes políticos do Iraque forçaram os Estados Unidos a sair. A retirada marca o final da derrota americana, que pode ser comparada à derrota dos Estados Unidos no Vietnã.

O que realmente aconteceu? Nos últimos dezoito meses, as autoridades de Washington realmente tentaram negociar um acordo com os iraquianos. Esse acordo iria se sobrepor ao termo assinado pelo presidente George W. Bush, que se comprometia com a retirada total das tropas em 31 de dezembro de 2011. Eles falharam — e não é que não tenham se esforçado.

No Iraque, os grupos mais favoráveis aos Estados Unidos são os grupos sunitas liderados por Ayad Allawi, um homem com relações notoriamente próximas à CIA, e o partido de Jalal Talebani, o presidente curdo do Iraque. Os dois homens disseram — relutantes, sem dúvida — que seria melhor as tropas americanas deixarem o país.

O líder iraquiano que se trabalhou duro para chegar a um acordo que mantivesse as tropas norte-americanas foi o primeiro-ministro Nouri al-Malaki. Obviamente, ele acreditava que a pouca habilidade do exército iraquiano em manter a ordem levaria o país a novas eleições, nas quais sua posição política estaria muito enfraquecida e ele, provavelmente, colheria maus resultados nas urnas. Enfim, deixaria de ser primeiro-ministro.

Os Estados Unidos fizeram concessão atrás de concessão, reduzindo constantemente o número de soldados que manteriam no Iraque. No fim das contas, o ponto de atrito foi a insistência do Pentágono em garantir a imunidade jurídica dos soldados americanos (e dos mercenários), liberado-os da acusação de qualquer crime que cometessem no país. Maliki estava pronto para concordar com isso, mas ninguém mais estava. Os sadristas chegaram a dizer que iriam retirar seu apoio ao governo, se Maliki aceitasse as condições de Washington. Sem os votos dos sadristas, Maliki não obteve a maioria necessária no parlamento.

Então, quem ganhou? A retirada foi a vitória do nacionalismo iraquiano. E a pessoa que veio para encarnar o nacionalismo iraquiano é Muqtada al-Sadr. É verdade que al-Sadr lidera um movimento xiita que sempre foi violentamente contrário ao partido de Saddam Hussein, o Baath — o que, para seus seguidores, costuma significar ser contra muçulmanos sunitas. Mas al-Sadr afastou-se de sua posição inicial, para converter a si próprio e a seu movimento nos grandes defensores da retirada dos Estados Unidos. Ele estendeu uma mão para líderes sunitas e líderes curdos na esperança de criar uma frente nacionalista pan-iraquiana, centrada na restauração total da autonomia do Iraque. Foi ele quem ganhou.

É certo que al-Sadr — assim como Maliki e outros políticos xiitas — passou uma grande parte de sua vida exilado no Irã. Sua vitória seria o triunfo do Irã? Sem dúvida, Teerã ampliou sua credibilidade no Iraque. Mas seria um erro analítico enorme acreditar que o Irã substituiu o domínio dos Estados Unidos sobre o cenário político iraquiano.

Existem tensões fundamentais entre os xiitas iranianos e os xiitas iraquianos. Por um lado, os iraquianos sempre consideraram o Iraque — e não o Irã — como centro espiritual do mundo xiita. É verdade que, nos últimos 50 anos, as transformações no cenário geopolítico permitiram que os aiatolás do Irã parecessem dominar o universo do xiísmo. Mas isso é parecido com o que aconteceu na relação entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental depois de 1945. A força geopolítica dos Estados Unidos provocou um deslocamento na relação cultural entre dois lados do Atlântico. A Europa Ocidental teve que aceitar o novo domínio dos Estados Unidos — mas nunca gostou disso. E agora tenta retomar a hegemonia cultural. O mesmo acontece com o Irã e o Iraque. Nos últimos 50 anos, os xiitas iraquianos tiveram que aceitar o domínio cultural do vizinho, mas nunca gostaram disso. E agora irão trabalhar para retomar o predomínio cultural.

Apesar das declarações públicas, tanto Barack Obama quanto os republicanos sabem que os Estados Unidos foram derrotados. Os únicos norte-americanos que não acreditam nisso encontram-se entre o pequeno grupo marginal de esquerda que de algum modo não pode aceitar que os Estados Unidos não são capazes de ganhar sempre, em todos os lugares. Esse pequeno grupo, atualmente em declínio, está tão obcecado em denunciar os Estados Unidos que não tolera o fato de que o país está em sério declínio.

Para esse grupo marginal, nada mudou. Agora, o representante dos interesses dos Estados Unidos no Iraque não é mais o Pentágono, e sim o Departamento de Estado, que está fazendo duas coisas: deslocando mais fuzileiros para providenciar segurança à Embaixada dos Estados Unidos e contratando especialistas para treinar as forças policiais iraquianas. Mas levar mais soldados é um sinal de fraqueza, não de força. Significa que até mesmo a bem guardada embaixada norte-americana não está suficientemente segura dos ataques. Pela mesmíssima razão, os Estados Unidos cancelaram os planos de abrir mais consulados no país.

Quanto aos especialistas, estamos falando em aproximadamente 115 conselheiros policiais que precisam ser “protegidos” por milhares de seguranças privados. Eu garantiria que os conselheiros policiais serão muito cautelosos ao sair do território da embaixada — e que isso irá dificultar a contratação de seguranças privados em número suficiente, dado que não terão mais imunidade jurídica.

Ninguém deve se surpreender se, depois das próximas eleições no Iraque, o primeiro ministro for Muqtada al-Sadr. Nem os Estados Unidos nem o Irã vão gostar.

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4 comentários para "Iraque: amargo regresso dos EUA"

  1. JULIO SPÍNOLA disse:

    EUA GANHOU A GUERRA,NÃO A PERDEU!
    (A GUERRA ECONÔMICA).
    OS EUA FAZEM TUDO VISANDO UMA ÓTICA DE LONGO PRAZO. NÃO É A TOA QUE SEU SÍMBOLO É UMA ÁGUIA, QUE ENXERGA LONGE, ENQUANTO O NOSSO É O SÍMBOLO DA OBEDIÊNCIA E SUBSERVIÊNCIA= ORDEM E PROGRESSO.
    VEJAM=
    1º= SADDAM PROMOVE GUERRA AO DÓLAR NÃO MAIS ACEITANDO-O NAS TRANSAÇÕES CORRENTES DE PETRODÓLARES E DESVALORIZA-O, DE CARA, 15%, EXPONDO SUA FRAQUEZA COMO MOEDA NÃO SÓLIDA.
    2º-EUA DECLARA GUERRA A SADDAM ( verdadeiro motivo) COM A JUSTIFICATIVA DE SUPOSTAS “ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA” E INVADE O IRAQUE.
    3º= IRÃ SEGUE EXEMPLO DE SADDAM NÃO MAIS ACEITANDO O DÓLAR E PASSA A SER O PRÓXIMO DA LISTA DOS MARINES AMERICANOS.
    4º-EUA PROMOVE GUERRA AO IRAQUE, DESPEJA CENTENAS DE TONELADAS DE U238 NANOPARTICULADO EM SUAS OGIVAS ANTIBUNKER E AUMENTA CASOS DE CANCER EM 50% NO MUNDO(tempestades de areia levam o U238 até os Jet Streams, da estratosfera), garantindo mercado à industria farmacêutica americana do câncer pelos próximos 50 anos. http://resistir.info/du/libia_14abr11.html
    5º- O DÓLAR, DESVALORIZADO, DERRETE A DÍVIDA AMERICANA E, POR COSEQUENCIA, AS POUPANÇAS DOS EMERGENTES DURAMENENTE AMEALHADA S COM EXPORTAÇÕES NAS ULTIMA S DÉCADAS.(Brasil tem 75% da poupança, ou reserva de divisas,nas “letras do Tesouro” de Ali Babá dos EUA), PUXANDO O TAPETE DE PROVÁVEIS COMPETIDORES FUTUROS.
    6º-Eua vêem suas dívidas externas se derretendo e estimulam o SISTEMA PONZI OU PIRÂMIDE, por debaixo do pano, já que sua dívida é impagável de forma honesta
    (esquema Ponzi é uma sofisticada operação fraudulenta de investimentodo tipo esquema em pirâmide que envolve o pagamento de rendimentos anormalmente altos (“lucros”) aos investidores, às custas do dinheiro pago pelos investidores que chegarem posteriormente, em vez da receita gerada por qualquer negócio real.Ponzi. Biggs, Peter Kellerman, como todo bom vigarista veio passar os últimos dias no Brasil)
    Semelhante ao queca Alemanha fez com seu Marco nos primeiros anos de Hitler, dão um calote gradual na sua dívida externa via desvalorização cambial.
    Vultosos contratos de exportação pós-guerra ajudam a sustentar a claudicante economia americana.
    Lindsay Willians, no youtube, fala de um suposto “fim do dólar” e um início de uma moeda mundial para o fim do ano 2012, como os espertos, ou experts, estão a pedir nos fóruns econômicos pelo mundo afora.
    ASSIM, OS EUA GANHAM A VERDADEIRA GUERRA DO IRAQUE, PAGANDO A DÍVIDA DE SEUS DÓLARES MICADOS OU PODRES COM MAIS PAPEL MICADO, SEM VALOR, E DE QUEBRA GARANTEM PREÇOS BAIXOS ÀS SUAS EXPORTAÇÕES ASSIM COMO INIBEM SUAS IMPORTAÇÕES.
    ASSIM, LIVRAM-SE DA DÍVIDA IMPAGÁVEL, GARANTEM EXPORTAÇÕES, INIBEM IMPORTAÇÕES E RECUPERAM SUA ECONOMIA ALÉM DE DAR UMA FREADA EM PROVÁVEIS CONCORRENTES DO FUTURO.
    OS EUA GANHARAM A GUERRA, NÃO A PERDERAM.
    NÓS É QUE, MAIS UMA VEZ, PERDEMOS.

  2. Marci disse:

    Um monte de psicopata voltando pra casa, com gosto de sangue na boca e o desejo de matar entranhado no cérebro!!
    E da lhe cocaina pra segurar a onda dessa galera!!!

  3. Interessante, nunca achei justa essa invasão dos EUA ao Iraque, muitos civis morreram de bobeira e a coisa nem mudou lá muito por lá, um ou outro terrorista preso, não se se ainda tantos carros bombas explodem por lá como a TV aberta por aqui gostava de exibir no começo dessa guerra, que depois ficou chata e eles foram buscar outros conflitos mais recentes para suprir essa nossa grande descoberta de que violência é entretenimento.

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