Dilma: a falsa encruzilhada e a real

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O problema da presidente não são as negociações com o PMDB. É a necessidade de uma nova estratégia — que tem forte relação com a economia e não pode ser substituída pela ilusória imagem de “dama de ferro”

Por Luis Nassif

Vamos a algumas considerações sobre os primeiros cinco meses do governo Dilma Rousseff.

É um evidente exagero dar o governo como acabado, como pretendem alguns. Ou considerar uma rendição eventuais concessões ao PMDB, como pretendem outros. Mas que há necessidade de se rever estratégias, não se tenha dúvida.

Collor e Jânio caíram não por malfeitos, bebedeiras ou quetais, mas porque enfrentaram o Congresso. Lula sobreviveu não apenas por sua liderança carismática mas porque soube recompor a maioria parlamentar.

Aliás, causa espanto que intelectuais sofisticados, como Marcos Nobre, considerem que concessões a aliados signifiquem o fim “do grande projeto político” de Dilma (clique aqui). Esse mundo maravilhoso, em que presidentes podem governar como executivos, sem concessões, costuma habitar o imaginário de não-políticos – não de cientistas sociais.

Nos três primeiros meses de governo, Dilma se valeu da blindagem de todo recém-eleito para endurecer com aliados na definição de alguns postos-chaves no governo. De início, consegue-se a admiração do mundo não-político, mas no mundo político – que é o que garante a governabilidade – as mágoas vão se acumulando, a frente política vai se desgastando, os derrotados seguram a reação até o momento em que um episódio qualquer permite a explosão coletiva.

Ficando vulnerável na frente política, torna-se presa fácil da guerra de informações da velha mídia.

O risco da “dama de ferro”

No início de seu governo, a estratégia de Dilma consistiu em baixar a fervura política. Atuou de forma correta. Foi ao aniversário da Folha, acenou para adversários, conquistou aplausos para seu endurecimento com aliados políticos. Esvaziou os factoides gerados na guerra da mídia contra Lula, falando pouco, trazendo o componente direitos humanos para a diplomacia, agindo tecnicamente no preenchimento das vagas do segundo e terceiro escalão.

Mas, ao mesmo tempo, esvaziou o discurso político. Mais ainda, mesmo não se iludindo quanto aos propósitos da velha mídia, caiu na armadilha criada, de vestir a roupa de Margareth Thatcher brasileira, a dama-de-ferro que resolve todas as pendências políticas endurecendo o jogo, que coloca o objetivo técnico acima das demandas políticas.

Não há veneno maior na vida de um governante do que a ilusão dos plenos poderes, de onipotência. Envenena o ambiente político. Sendo uma ficção – porque não existem plenos poderes em ambiente democrático – é uma imagem facilmente descontruída no mundo não-político. Basta a primeira crise para trazer uma decepção diretamente proporcional à admiração gerada pela falsa ideia da onipotência. Qualquer ato de concessão política demole em instantes a falsa imagem criada no período anterior. A ponto de até o intelectual Nobre cair nessa armadilha.

Vulnerabilizando-se na frente política, fica fácil para a oposição destruir o apoio do mundo não-político: basta um escândalo real ou fabricado. No primeiro governo Lula, foi o caso Valdomiro – cujos escândalos reais ocorrerem, na verdade, no governo Garotinho.

A sorte de Dilma é que a primeira tentativa de desestabilização ocorreu com um auxiliar polêmico, mas longe de ser um Valdomiro. E quando ela ainda carrega um bom estoque de credibilidade, inclusive para corrigir os rumos iniciais do seu governo.

O isolamento político.

A vulnerabilidade de Dilma não reside em eventuais concessões ao PMDB – ainda que doa na alma de qualquer cidadão. Reside em seu isolamento político e do seu governo, algo que poderá ser corrigido daqui para frente.

Ela se isolou não apenas dos aliados – a arrogância de Antônio Palocci com um vice-presidente foi sintomática -, mas também impôs uma lei do silêncio ao primeiro e segundo escalão, que acabou comprometendo o fluxo de informações e análises, inclusive os contatos em off.

Aí, cria-se uma balbúrdia.

Exemplo disso é a estratégia conduzida pela Fazenda e pelo Banco Central, para fugir ao cerco dos “juristas” (os defensores dos juros altos), ou as declarações desencontradas sobre câmbio e controle de capitais.

A grande batalha do governo Dilma ocorre na frente econômica. Se não sustentar o crescimento, dança; se deixar a inflação aumentar, dança.

Montou-se uma estratégia complexa de desarmar gradativamente a armadilha dos juros altos, em um mundo fundamentalmente instável. Mas não se comunica.

Na crise de 2008, mesmo ainda sob a égide do Banco Central de Henrique Meirelles, o fluxo de informações e de explicações era muito mais abundante do que agora. E foi fundamental para que a lógica da Fazenda se impusesse sobre a ortodoxia desvairada de Meirelles.

Em outras áreas não é muito diferente. A começar da própria presidência da República.

Foi importante o artigo da Maria Inês instando a presidente a fazer política. E por tal não se entenda apenas conversar com aliados e ampliar as concessões, mas retomar os contatos com a opinião pública, desobstruir canais.

Não se espere que Dilma repita o estilo Lula, da fala fácil e abundante. Mas há que se descer do andor.

No seu início de governo, apresentou um conjunto relevante de iniciativas que irá florescer no futuro: o novo modelo de gestão, a ênfase no fim da miséria absoluta, a clareza na criação dos quatro macro-temas. Ora, existe uma lógica no seu governo, a parte mais difícil.

Mas não basta o enunciado inicial. Há que se ter o cuidado permanente de manter o discurso vivo e a lógica reafirmada. E, principalmente, de tirar o mais rapidamente possível essa armadura improvável de dama-de-ferro.

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