A Avenida em que a Globo projeta sua ética

O país dos pobres com chances deve fazer mal à rede da família Marinho. Então, o retrato dessa avenida é o Brasil da falcatrua.

Por Renato Dalto*, no Sul21

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O país dos pobres com chances deve fazer mal à rede da família Marinho. Então, o retrato dessa avenida é o Brasil da falcatrua. Por Renato Dalto*, no Sul21

É uma avenida de perversidades chamada Brasil, com direito a alguns requintes de achincalhamento da condição humana. Entre eles: maus tratos à criança, trapaças e tramoias familiares, traições em forma de vingança e, pra completar o quadro, esses dias um personagem esganou a mulher contra a parede, ameaçando-a de morte. Tudo em horário nobre, naquela rede do Criança Esperança e que tem uma afiliada no Rio Grande do Sul que está com uma campanha para melhorar a qualidade da educação. A campanha se chama “a educação precisa de respostas”. A afiliada da Globo deveria perguntar pra madrinha qual a contribuição educativa é essa que ela faz em horário nobre. E pensar na função educativa de Avenida Brasil, a novela das oito que a madrinha exibe ao país em rede nacional.

É um brinde à população depois do Big Brother, o elogio às pessoas sem perspectiva que pensam em enriquecer no golpe de um jogo ou ganhar a vida como celebridade instantânea. Mas o pior disso é que, todos sabem, as novelas obedecem tendências mercadológicas e de comportamento, até porque são uma máquina de faturar merchandising e de envolver a população. Enfim, a Globo deve ter descoberto que o Brasil perverso vende bem. E fincou o dedo, sem o menor escrúpulo, na alavanca do faturamento.

Não só fincou como bateu, atirou, debochou, esganou, tramou, surrupiou, golpeou, roubou, planejou e conquistou o lado sombrio da vida da audiência. Afinal, são tempos de vale tudo, desde o ringue da NBA, Big Brother, A Fazenda, os programas de perseguição policial e o permanente ataque à política como se tudo fosse uma questão de golpe ou quadrilha. A Globo não poderia ter escolhido nome melhor – ou pior – para seu espetáculo tétrico-dramático: Avenida Brasil, a novela do horário nobre, exibindo em horário nobre o maior rebaixamento da condição humana já visto nestas terras.

O curioso é que a dramaturgia global está cheia de ricos benevolentes, de luxos faustuosos, de mocinhos e heróis paladinos de moral escoteira e assim por diante. Só que essa novela rasgou o açúcar da receita, o que seria saudável, mas elevou aos mais baixos patamares de caráter o ser humano. Avenida Brasil poderia se chamar Avenida das Perversidades.

A pergunta que cabe é porque associar isso tudo ao nome do país. Aliás, um país ainda com problemas mas que começa a ganhar ares de respeito com a ascensão das classes mais pobres, o acesso à educação, a afirmação da democracia – essa palavra que, em outros tempos, era quase proibida na emissora que bateu palmas à ditadura, surrupiou a campanha das Diretas, apoiou desbragadamente Fernando Collor e que, estranhamente, no auge da ditadura criava novelas água com açúcar. O Brasil dos pobres com chance deve fazer mal à Globo. Então o retrato dessa avenida é o Brasil da falcatrua. Se na ditadura a perversidade morava nos porões, a democracia da Globo é a da perversidade explicita. Mas aí vem na telinha o Criança Esperança. Aí a afiliada fala em educação. E aí se plasma então a emissora do médico e do monstro.

Se a arte imita a vida, a Avenida Brasil da Globo é um convite ao obscurantismo moral, à ética ausente, ao prato frio da vingança, à descrença. O nome Brasil é quase ofensivo a quem pensa um país do bem e da justiça. A Globo se revela assim, talvez magoada porque os tempos são outros. A escuridão passou, em todos os sentidos. E picos de audiência com a curra do mercado, felizmente, não fazem um país.

*Renato Dalto é jornalista e escritor.

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8 comentários para "A Avenida em que a Globo projeta sua ética"

  1. jamal disse:

    Essa é a regressao consciencial no povo brasileiro, a pregacao sistematica de anti-valores, a exaltacao de modelos de conduta altamente reprovaveis e que sim, influenciam muita gente.
    Toda esse burburinho em torno das novelas é preocupante pois retrata onde esta e como esta a estrutura de pensamento do povo, pois semelhante atrai semelhante, entao somos um povo alienado, que adora a fantasia e para piorar, adora a fantasia de baixo nivel, que explora o que ha de pior, a exaltacao do grotesco. Viva o povo brasileiro, chafurdem mesmo em novelas, eu desligo a tv e evoluo.

  2. Simone Coste disse:

    …. falou e disse!

  3. Sílvia Eugênia Galli disse:

    Muito bem colocado:"tendencias mercadológicas e de comportamento"!

  4. Carmen Fontes disse:

    a Globo perdeu a mão faz tempo….

  5. O pior é que as concorrentes, em busca de maior audiência, copiam, descaradamente, este modelo(péssimo exemplo!) de programação!

  6. Charles disse:

    Todo meio de informação é manipulador. Os filmes estadunidenses sempre vendem aquela imagem de patriotismo e protetores do mundo, mas pouco falam dos interesses comerciais por detrás disso tudo. Você só é influenciado se permitir ser, se tiver pouco se “lixando” pra coisa toda. Um pouquinho de senso crítico você já vê que o House é um cara legal de assistir, mas na vida real, trampando do seu lado seria um idiota. Assim como achamos engraçado uma piada sobre corno, mas todo mundo sabe que é uma situação ruim de se viver, ninguém quer ser corno. Por incrível que pareça, o que é mais criticado nas novelas atualmente, é só um reflexo da nossa sociedade, que são as “putarias”. A maioria das situações que tem ali naquela Avenida Brasil eu conheço uma ou outra pessoa que passa ou passou. A vida inspira as novelas e não as novelas inspiram a vida. E tudo isso não é de hoje, se você ler o livro Quarup, De Antônio Callado, publicado em 1967, vai ver que essas “putarias” existem desde sempre. Logo, penso, qualquer coisa que você assiste te ensina aquilo que você está disposto a aprender.

  7. Janaína disse:

    Aí que blablabla sem sentido, vá se preocupar com outra coisa, vá ler um livro então, não quer assistir a novela, desligue a tv e não assista, e convenhamos que nosso país não está tão bem assim como você falou.
    Não tenho paciência pra esse tipo de coisa.

  8. João Fonseca disse:

    Blá blá blá! Não é uma novela que faz um país! Existe um tipo ideal de novela? As pessoas têm o livre arbítrio de desligar a televisão ou trocar de canal. Nós precisamos de arte: alimento pra alma; seja arte construtiva ou depreciativa. Somos animais inventivos. Saiba separar política de arte. O país, sim, com seu obscurantismo moral de um lado, a arte do outro, bem longe. Avenida Brasil não tem função educativa alguma mesmo, é depravada, é suja, mas é boa, é divertida e emociona. Um prato cheio, quem diria, para justamente afastar a escuridão do dia a dia de um brasileiro. Novamente: ninguém é obrigado a assistir a novelas. Assiste quem quer ter o mínimo de alegria, mesmo até vivendo numa miséria sem precedentes. Vejo que perdemos eu e você nosso tempo aqui, enquanto estamos usando alguma força verbal para criticar absolutamente coisa nenhuma, poderíamos estar dissertando sobre o lamaçal fedorento em que estamos atolados: país de contradições e contraditores pernósticos.

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