Educação popular: pontos positivos e desafios na visão de educadores e educandos

 

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Primeiro dia da “II Jornada de Educação Popular”  reuniu acadêmicos, educadores e alunos para discutir função social dos cursinhos populares

Por Rodrigo Emannuel, da equipe de Comunicação da II Jornada de Educação Popular

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Neste sábado (30), na Escola Estadual Oswaldo Catalano, em São Paulo, aconteceu o primeiro dia da “II Jornada de Educação Popular”. Iniciativa conjunta de diversos cursinhos populares da capital paulista e região metropolitana, o evento visa discutir o papel da educação popular como forma de transformação progressiva da sociedade e também promover um espaço de interação e troca de experiências entre acadêmicos, educadores e educandos.

Para compreender a dinâmica de funcionamento dos cursinhos populares, ou seja, suas estruturas, modos de organização e atuação, conversei com educadores e alunos sobre suas experiências e perspectivas essa forma inclusiva e participativa de educação, tanto no que tange aos aspectos positivos quanto às dificuldades enfrentadas. Antes de entrar nos méritos dessas perspectivas, é importante compreendermos no que consiste a educação popular e como ela contribui em diferentes instâncias do processo de integração social.

O que são educação e cursinhos populares?

A educação popular é um instrumento fundamental para o estímulo e desenvolvimento do pensamento crítico em  jovens e adultos das periferias que não têm acesso à educação comercial. Por meio da aproximação entre o conteúdo teórico e a realidade em que esses sujeitos estão inseridos, a educação popular propicia um ensino que transpassa o ambiente de sala de aula ao formar pessoas capazes de pensar, política e culturalmente, a transformação das comunidades em que vivem. Dessa maneira, tanto os indivíduos quanto a comunidade ganham em autonomia e tornam-se cada vez mais independentes em relação ao Estado e ao setor privado.

Uma das formas de utilização do método de educação popular é a que se aplica nos chamados “cursinhos populares”. Os cursinhos populares são uma iniciativa de entidades e movimentos sociais independentes e, geralmente, são idealizados e postos em prática por pessoas que habitam comunidades periféricas. Eles funcionam como uma forma de ação afirmativa que batalha pela inserção de indivíduos socialmente marginalizados como pessoas de baixa renda, negros e negras, população LGBT e povos originários nas universidades brasileiras. Porém, esse não é o único objetivo dos cursinhos populares que, como aponta Vitor Ahagon, educador do Cursinho Livre da Norte, exercem uma espécie de duplo papel.

“Os cursinhos populares têm um duplo papel a cumprir: devem, a curto e médio prazo, visar a inclusão e permanência de pessoas marginalizadas nas universidades; e a longo prazo, devem construir uma educação diferente do modelo capitalista, ou seja, que tenha autonomia política, econômica e pedagógica”, afirma.

Características positivas dos cursinhos populares

Nas entrevistas com os educadores e alunos algumas características positivas em comum foram citadas. Dentre elas, destacam-se o papel dos cursinhos na formação política e social dos alunos e a estrutura horizontal utilizada pelo projeto de educação popular no que diz respeito à direção, ao planejamento das atividades e à tomada de decisões referentes à organização, que acontecem de maneira participativa e transparente.

Para Talita Amaro, educadora do Cursinho Popular Mafalda, o principal ponto positivo dos cursinhos populares reside na sua diferença em relação aos cursinhos comerciais. “O fato de os cursinhos populares serem um curso pré-universitário e não um curso pré-vestibular demonstra que o propósito do cursos populares não é só o da inserção do indivíduo nas universidades, mas a formação de seu pensamento crítico para entender também o espaço universitário”.

Já Allan Machado, do Curso Popular Pré-Universitário Tetris, destaca que um dos pontos positivos dos cursos populares é que “ao participar dos projetos o aluno articula-se cultural e politicamente para, posteriormente, devolver o conhecimento adquirido transformando a comunidade em que está inserido”.

O relato da aluna Ana Beatriz, do Cursinho Popular Mafalda, em relação à sua experiência com a educação popular confirma o aspecto positivo das posições reiteradas pelo educadores. Segundo a aluna, “a partir do momento em que você está participando de um cursinho que se propõe a debater questões como as reformas da previdência e trabalhista, em um espaço onde os educadores entendem a defasagem pela qual o aluno da periferia está condicionado no ensino de base, é mais fácil de se sentir confortável para aprender uma nova maneira de pensar.”

Para fechar a reflexão sobre as características positivas dos cursinhos populares, é  interessante ver o pensamento da educadora Luciana de Freitas, do Projeto de Educação Comunitária Integrar, sobre a maneira humanitária utilizada pelos cursinhos populares para lidar com as dificuldades enfrentadas pelos alunos ao longo do curso. A educadora afirma que “é necessário entender o perfil dos alunos e alunas, suas particularidades e problemas individuais, de modo que os educadores possam direcionar melhor seu trabalho para cada grupo.”

Principais desafios enfrentados pelos cursinhos

Do mesmo modo que as características positivas, os principais entraves enfrentados pelos cursinhos populares também são compartilhados entre quase todos eles. Entre as maiores dificuldades, foram relatadas a falta de recursos tanto dos projetos para se manter funcionando quanto dos alunos para conseguirem concluir a formação -, o olhar depreciativo com o qual os cursinhos são vistos pelas pessoas das comunidades que desconhecem o trabalho e classificam o cursinho como pior em relação aos cursinhos comerciais e a alta taxa de evasão, apontada como um fator externo porém prejudicial aos cursinhos.

Vitor Ahagon destaca o motivo pelo qual os financiamentos externos são um problema para os cursinhos populares e como o Cursinho Livre da Norte faz para  angariar fundos e continuar suas atividades. O educador afirma que quando instituições externas “investem financeiramente na educação popular, podem influir ideologicamente sobre os projetos desvirtuando o real propósito das iniciativas”. Como alternativa ao financiamento externo, Vitor frisa a importância das relações com movimentos sociais e de cultura que ampliam a divulgação em parcerias e atividades promovidas em conjunto.

Allan Machado também falou sobre o assunto. Para o educador  “o apoio externo torna-se um patrocínio e o patrocínio, um dever do cursinho para quem o financia”. Ele conclui explicando que, a partir disso, as pessoas tendem a crer que o trabalho do cursinho é fruto da verba injetada.

Já sobre a questão da evasão, Talita Amaro classifica como sendo um problema que afeta os cursinhos populares, mas que é de difícil solução por consistir em um entrave que vem de fatores externos. Para a educadora  “a falta de tempo, a falta de dinheiro para locomoção e alimentação e a própria lógica da educação comercial acabam por afastar os estudantes das salas de aula”.

A luta deve continuar

Não devemos esmaecer por conta desses entraves. A Jornada de Educação Popular demonstra o potencial de abrangência e transformação que os cursinhos populares têm, e como isso pode contribuir para melhorias, nos níveis individual e coletivo, nos espaços sociais periféricos e também para os indivíduos que lá vivem. Devemos continuar lutando pelo direito ao conhecimento e nunca deixar de ocupar os espaços que habitualmente nos são relegados. Juntos somos fortes e nas favelas somos nós por nós.

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