Boletim da falta d'água em São Paulo – 27/10/14

Uma empresa que fabrica caixa d’água registrou um aumento de 50% na demanda e indústrias em outros estados agora trabalham para atender aos pedidos de São Paulo

Uma empresa que fabrica caixas d’água registrou aumento de 50% na demanda e indústrias em outros estados agora trabalham para atender aos pedidos de São Paulo

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O dia em que se falou em evacuar a cidade, estimulou-se a cobiça dos fabricantes de caixas d’água e ficou nítido o espanto da mídia

Por Camila Pavanelli de Lorenzi

141028-Copo– Era uma vez um prefeito que recebeu a notícia de que a cidade que ele governava teria de ser evacuada por falta d’água. Estupefato, o prefeito indagou: cumequié? Então lhe disseram que não era nada daquilo, que estava tudo bem agora.

– O prefeito era Haddad e a cidade era São Paulo (http://bit.ly/1DTdpwL).

– Mas a notícia da evacuação de São Paulo nem nova é: há 3 dias, foi divulgado um áudio em que um diretor da Sabesp admite, meio de brincadeira, meio a sério (cabe ao leitor/ouvinte decidir qual é a parte do riso e qual a do choro), que se não chover nos últimos meses de 2014, a Sabesp dará férias coletivas para os habitantes de São Paulo (http://bit.ly/1wl1O8O).

– A única novidade na notícia de hoje, então, é que a “brincadeira séria” do diretor da Sabesp saiu da sala de reuniões da empresa e chegou ao gabinete de Haddad.

Seguem outras notícias de hoje, ainda na linha editorial “implodindo os limites entre comédia e tragédia”:

– Enquanto uns choram, outros vendem lenço: uma empresa que fabrica caixa d’água registrou um aumento de 50% na demanda (quando exatamente? a matéria não diz), e fábricas em outros estados agora trabalham para atender aos pedidos de São Paulo ‪#‎SPLocomotivaDoBrasilFaçaChuvaOuFaçaSeca‬ (http://bit.ly/1tdNZqC);

– A página do Facebook da Prefeitura de São José dos Campos aproveitou que estava chovendo para pedir aos amigos internautas que guardassem uma aguinha de recordação. A postagem foi apagada após ter sido considerada “tendenciosa” e ter “exaltado os ânimos” dos amigos internautas. O prefeito da cidade é do PT (http://bit.ly/1yFYK52);

– Enquanto isso, parte da nossa imprensa continua abismada que a chuva não vem colaborando: “Nem mesmo a chuva de média intensidade ocorrida ontem (26) foi suficiente para conter a queda gradual que se observa do nível de água dos reservatórios da Sabesp” (http://bit.ly/ZVKU2f – ver postagem de 27/10, 10:57);

– É compreensível: que ponha a mão no fogo quem nunca achou que iria aprender inglês em duas semanas, emagrecer em cinco dias e amarrar o grande amor em três. Perto desses ambiciosos projetos, salvar o Sistema Cantareira com a chuvinha do fim de semana até que soa modesto.

E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

* Camila Pavanelli de Lorenzi criou o blog “Recordar, repetir e elaborar” para fazer da lição freudiana seu modo de escrever sobre política, culinária, sobre sua avó e seus amores — tudo isso sem perder de vista que o mundo todo é feito de relações de poder e afetos. Espanta-se com a passividade de São Paulo, antiga “locomotiva do país” diante da reaparição de um problema que fora resolvido há duzentos anos. Para lançar o alerta, criou, no Tumblr este “Boletim da Falta d’Água em São Paulo”, que redige selecionando e reinterpretando notícias publicadas nos jornais. As edições anteriores do boletim podem ser lidas a seguir.

141028-Copo26/10/14

– Cummins, Rhodia, Hyundai e Mercedes-Benz são algumas das empresas que vêm enfrentando problemas de abastecimento em São Paulo (http://bit.ly/1tXGK8f). A matéria não fala em demissões, mas infelizmente, ao que tudo indica, a falta d’água em breve ocasionará o aumento do desemprego no estado;

– Condomínios estão vetando o uso de piscinas e implementando racionamento interno (http://bit.ly/1wBbOY5);

– Agora compare a gestão da crise feita pelos síndicos de condomínios com a declaração mais recente do governador: segundo Alckmin, não haverá racionamento em São Paulo (http://bit.ly/1tbF3C7).

Atenção, agora, a como a imprensa vem tratando o problema:

– “Insuficiente, chuva do fim de semana não ajuda a recuperar Cantareira” (http://bit.ly/1rv4ZTC). Parece que a Folha realmente acredita que uma ou duas chuvas de fim de semana serão suficientes para recuperar o Sistema Cantareira.

– “Aquífero Guarani pode aliviar crise do Cantareira” (http://bit.ly/1nIcHyr). Promissor, não? Então você lê a matéria e descobre que: a) a obra para a captação de água do Aquífero só seria concluída daqui a um ano; b) uma vez concluída, seria suficiente para abastecer apenas 300 mil pessoas em Piracicaba (região atualmente atendida pelo Cantareira); c) estudos para obras semelhantes (mas em escala muito maior) foram feitos pela Sabesp em 2004; d) a Sabesp “descartou” tais obras à época, quando obteve a renovação da outorga do Sistema. Um título mais realista para a matéria d’O Estado, portanto, seria: “Sabesp cogita fazer agora versão reduzida de obras que descartou fazer dez anos atrás”.

E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

 

141028-Copo25/10/14

– Como vimos no boletim de ontem, o candidato Laércio voltou a bater na tecla do aparelhamento da ANA pelo PT (http://bit.ly/1D9DRQs). Fiz uma breve pesquisa, então, sobre a nomeação do diretor-presidente da ANA e sobre a atuação da agência na atual críse hídrica em SP. Segue o que descobri:

– Vicente Andreu foi aprovado como diretor-presidente da ANA pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado em 2009, por 14 votos a zero (http://bit.ly/1xpvsX8).

– Em 2013, o senador Aloysio Nunes (atual candidato à vice-presidência pelo PSDB) apresentou ao presidente da CMA a proposta de recondução (isto é, “reeleição”) de Vicente Andreu à presidência da ANA. Disse Aloysio Nunes (ao fim do item 17 da pauta): “O curriculum vitae do indicado demonstra formação acadêmica e experiência profissional absolutamente compatíveis com o cargo para o qual está sendo reconduzido.” O senador leu, então, um currículo resumido de Vicente Andreu, que inclui a presidência da Sanasa e o posto de Secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. Cito novamente Aloysio Nunes: “Seu currículo [de Vicente Andreu], portanto, comprova uma longa experiência profissional aliada a uma formação técnica e acadêmica adequada para o cargo. Quero acrescentar, Sr. Presidente, a minha admiração pelo trabalho que ele desenvolve à frente dessa agência.” (http://bit.ly/10th0DI)

– Passemos agora à gestão da atual crise hídrica. É preciso lembrar, em primeiro lugar, que a outorga do Sistema Cantareira para a Sabesp venceria em agosto de 2014. Devido à crise, porém, a ANA e a DAEE decidiram conjuntamente prorrogar até outubro de 2015 a outorga sobre o direito de uso das águas do Sistema Cantareira à SABESP. Esse processo está bem explicado na página 3 desta decisão judicial: (http://bit.ly/1yXHPyT).

– Vicente Andreu mostrava-se “otimista” com relação ao processo de renovação da outorga em 27/10/2013 – assinalando, porém, que entre os desafios a serem enfrentados pela nova concessionária estaria a necessidade de investir em novas infraestruturas, como barragens e sistemas adutores (http://bit.ly/1ruimUa).

– Vale notar ainda que, nesta palestra sobre Política Nacional de Recursos Hídricos, em 13/11/2013, Vicente Andreu menciona a “experiência positiva” da Sabesp com o tratamento da água (http://bit.ly/1tUxLVf).

– Em 2014, porém, há uma mudança na relação ANA-Sabesp. A ANA deixa o comitê anticrise do Sistema Cantareira sob alegação de que o governo estadual não diminuiu a retirada de água do Sistema Cantareira, conforme previamente acordado. Basicamente, a ANA defendia uma redução na captação, enquanto a Sabesp queria a manutenção da vazão para não decretar racionamento oficial (http://bit.ly/1mmD10u).

Passemos aos falta d’água facts de hoje:

– O nível do Sistema Cantareira caiu 0,2% de ontem para hoje – agora está em 13,4%, já contando com a segunda cota do volume morto (http://bit.ly/1tz3xoI).

– Devido à falta d’água, a Rhodia desativou 4 de 22 unidades de produção em sua planta de Paulínia, e a Fibria atualmente trabalha em um plano de contingência (http://glo.bo/1D8vfK3).

– Indústrias de bebidas, papel e celulose já estão investindo em outros estados como forma de se precaver contra a crise hídrica (http://bit.ly/1rtOOGi).

– Por fim, uma modelo que passou mal após ingerir água contaminada posou para um ensaio sexy em um reservatório do Sistema Cantareira (http://glo.bo/1tpkXVV). Leia as declarações de Camila Vernaglia. São absolutamente lúcidas e pertinentes.

E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

 

141028-Copo24/10/2014

– Disse a presidente da Sabesp, em reunião cujo áudio foi divulgado hoje: “A Sabesp tem estado muito pouco na mídia, acho que é um erro. Nós tínhamos que estar mais na mídia, sabe, com os superintendes locais, nas rádios comunitárias, o Paulo [Massato] falando, eu falando, o Marcel falando, todos falando, com um tema repetido, um monopólio: economia de água. ‘Cidadão, economize água’. Isso que tinha que estar reiteradamente na mídia. Mas a orientação… Nós temos que ter a orientação. (…) Nós temos superiores. A orientação não tem sido essa, mas é um erro. Tenho consciência absoluta e falo para pessoas com quem eu converso sobre esse tema, mesmo meus superiores, acho um erro esta administração da comunicação dos funcionários da Sabesp, que são responsáveis por manter o abastecimento, com os clientes.” (http://bit.ly/12qmfVw) (http://bit.ly/1wl1O8O)

– Disse um diretor da Sabesp, na mesma reunião: “Se repetir o que aconteceu esse ano, do final de 2013, de outubro pra cá, se voltar a repetir em 2014, confesso que eu não sei o que fazer. Essa é uma agonia, uma preocupação. Alguém brincou aqui, mas é uma brincadeira séria. Vamos dar férias para oito milhões e oitocentos mil habitantes e falar: ‘saiam de São Paulo’. Porque aqui não tem água, não vai ter água pra banho, pra limpeza da casa, quem puder compra garrafa, água mineral. Quem não puder, vai tomar banho na casa da mãe lá em Santos, lá em Ubatuba, Águas de São Pedro, sei lá, aqui não vai ter.” (http://bit.ly/12qmfVw) (http://bit.ly/1wl1O8O)

– Disse o governador Geraldo Alckmin, hoje: “O abastecimento de água está garantido na região metropolitana de São Paulo. Não tem racionamento e não tem desabastecimento” (http://bit.ly/ZQJtSZ). Disse ainda: “Talvez a gente nem precise da segunda reserva técnica. Já passamos pelo período mais seco.” (http://bit.ly/ZQJtSZ)

– Disse a Sabesp: a segunda cota do volume morto já foi incorporada à medição dos reservatórios do Sistema Cantareira; assim, de 2,9% o sistema passou automaticamente a 13,6% de sua capacidade (http://glo.bo/1tlvTUH). Segundo a Sabesp, porém, o segundo volume morto ainda não começou a ser captado. Segundo a ANA, já começou sim. (http://glo.bo/1sjTzSL)

– Disse o candidato Laércio, no debate eleitoral: a seca não atinge só São Paulo, mas todo o Sudeste; o governo de São Paulo fez o que podia; o problema mesmo foi que a ANA, do governo federal, não ajudou, porque está aparelhada pelo PT. (http://bit.ly/1D9DRQs)

– Disse a presidenta e candidata Gilma: a responsabilidade sobre a gestão da água é dos estados; faltou planejamento para a crise hídrica por parte do governo de São Paulo; esta falta de planejamento é uma vergonha; o governo federal ajudou sim. Disse ainda, citando Zé Simão: “vocês estão levando o estado para ter um programa Meu Banho Minha Vida” (http://bit.ly/1D9DRQs)

– Disse a síndica do meu prédio em comunicado aos moradores: a Sabesp tem interrompido o fornecimento de água todas as noites. É preciso, portanto, continuar economizando água, “até que a situação se normalize”.

– A síndica do meu prédio acredita que, mais dia menos dia, mais mês menos mês, a situação irá se normalizar em São Paulo.

E este foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que domingo tem o boletim do fim de semana.

 

141028-Copo23/10/2014

– Jogue no Google os termos “cantareira” e, entre aspas, “recorde negativo”. Você notará que mudam apenas as datas, pois as manchetes se repetem: “Sistema Cantareira bate novo recorde negativo”. Hoje, o Cantareira está em 3% (http://bit.ly/1ixYbCW) – amanhã, estará abaixo disso, pois tem caído cerca de 0,1% ao dia.

– É preciso lembrar, porém, que esse número é uma ficção, pois em 16/05/2014, quando a Sabesp começou a captar volume morto – água que nunca foi utilizada para consumo humano (http://glo.bo/1lDGAIX) –, “foram acrescidos 18,5% sobre o volume total do sistema”, num passe de mágica – ou, literalmente, num passe de bombas contratadas sem licitação (http://glo.bo/1rs9sXj).

– Quando, então, podemos esperar que o nível do sistema volte a subir? Por que já não está subindo? Afinal, começou a chover um pouco, e a Sabesp faz tempo que vem reduzindo a pressão da água na rede de distribuição (http://bit.ly/1sVrLrN).

– Segundo um especialista em gestão ambiental, o nível só voltará a subir depois de pelo menos um mês de muita chuva (http://bit.ly/1wnDalo). Isso porque haverá uma dificuldade extra para repor a água após o uso do volume morto: a terra muito seca sofre um “efeito esponja”, isto é, absorve muito mais água.

– Concluo então que, se desde o início do ano o governo do estado tivesse implementado um racionamento oficial (e outras medidas de incentivo à redução do consumo da água, não só dos consumidores residenciais como também, e principalmente, da indústria e do agronegócio) e o volume morto tivesse permanecido intocado – para falar apenas na gestão da crise em si e não em obras que deveriam ter sido feitas desde muito antes, como a construção de novos reservatórios e o combate eficaz das perdas para o sistema –, é razoável supor que, agora, os reservatórios do Cantareira estariam voltando a encher.

– Mas, como não adianta chorar o volume morto derramado, daqui para frente a situação é a seguinte: a ANA prevê que, em abril de 2015, quando começar o período de seca, o Sistema Cantareira sequer terá recuperado a totalidade de seu volume morto (http://bit.ly/1rsaIcS). A título de comparação, em abril deste ano o Sistema estava em 10% de sua capacidade normal.

– A propósito, guardem este link: Alckmin já garantiu que não haverá racionamento em 2015 (http://bit.ly/1vy1GzT).

– Ou seja: os danos para a saúde das pessoas (http://bit.ly/1nBmZR1), incrivelmente, não são o problema mais grave do volume morto – ou pelo menos não o único. Retirar volume morto atrasa a recuperação do sistema. Acho que já deu para entender que “atrasar a recuperação do sistema”, além de ser uma expressão precisa do ponto de vista ecológico, é também um eufemismo para “falta d’água maior ainda ano que vem”.

– Apesar disso, Alckmin quer captar uma terceira cota de volume morto (http://glo.bo/1rsb6bj). O presidente da ANA diz que isso envolve “dificuldades técnicas” e apresenta “riscos por se tratar de insumo de baixa qualidade” (http://bit.ly/1sVwCt0).

– O quão mais baixa é a qualidade dessa terceira cota em relação à segunda ou à primeira é que eu não sei. Aliás, eu não: ninguém sabe, já que nunca antes na história deste país essa água foi captada. Mas uma coisa os especialistas dizem: “quanto mais baixo o nível dos reservatórios, maior é a concentração de poluentes” (http://bit.ly/1sVwCt0).

– Para terminar: lembram-se da relatora da ONU que responsabilizou o governo do estado pela falta d’água, levando Alckmin a enviar um ofício para a ONU em protesto às críticas recebidas? Pois bem: ela afirmou hoje que mantém tudo o que disse (http://bit.ly/1tfnl1t). Afirmou ainda que não tem qualquer interesse político-partidário no Brasil. Incrivelmente, parece que algumas pessoas estão mais preocupadas com a falta d’água do que com o PT ou o PSDB.

E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

 

141028-Copo22/10/2014

– Até hoje, nunca vi o governador Geraldo Alckmin lamentar que pessoas estejam usando água de poços improvisados para cozinhar (http://bit.ly/1qIlmg8) ou que escolas e estabelecimentos comerciais estejam fechando por falta d’água (http://bit.ly/1suoPlI) (http://bit.ly/1ue6lnr). Em compensação, hoje o governador declarou que é “lamentável” que a falta d’água esteja sendo usada para fins políticos (http://bit.ly/ZI8oIa).

– Só posso concordar com o governador, é claro. É realmente lamentável, por exemplo, que o governo do estado não tenha oficializado o racionamento no início de 2014 – um ano de muitas emoções e muitas eleições –, ignorando uma recomendação de técnicos da própria Sabesp (http://bit.ly/Veidew).

– É igualmente lamentável que a Sabesp já esteja captando água do segundo volume morto do Cantareira antes mesmo de receber autorização para isso. Segundo a ANA, o segundo volume morto vem sendo usado desde pelo menos 14 de outubro, quando a agência constatou que o nível do reservatório Atibainha estava 38cm abaixo do permitido. No dia seguinte, os técnicos da ANA voltaram ao local. As réguas de medição do reservatório haviam simplesmente desaparecido. A Sabesp nada disse acerca do desaparecimento das réguas (http://bit.ly/1FFL1QF).

– O governador, coerentemente (visto que “não falta água em São Paulo”), já em 16/10 negou tudo (http://glo.bo/1yZS3hi).

– E, já que estamos lamentando, vamos ao lamento de uma vida: o mesmo erro cometido com o Sistema Cantareira – isto é, a captação de água acima do recomendado – está sendo repetido com o segundo maior manancial que abastece a Grande São Paulo, o Sistema Alto Tietê. Claramente, não aprendemos nada. O Alto Tietê está em 8,5% de sua capacidade e pode chegar a zero em menos de dois meses. Isso porque o sistema está sendo superexplorado para abastecer a zona leste de São Paulo. Assim, a captação passou de 10 mil para 15 mil litros por segundo, com a autorização do DAEE (lembrando que, no caso do Cantareira, tanto o DAEE quanto a ANA autorizaram que fosse ignorado o sistema de controle de risco do sistema). De início, a Sabesp negou que houvesse crise no Alto Tietê. Depois, tentou ver se tinha volume morto ali. Não tem (http://bit.ly/1rqYjpA).

– Eu acabei de dizer. Mas não posso deixar de dizer de novo. Porque nada pode ser mais criminoso do que isso. Porque não estou encontrando as palavras certas – as palavras chacoalhantes – para comunicar que, depois de destruir o Sistema Cantareira, estamos destruindo o Sistema Alto Tietê.

– Vou tentar de novo: estamos acabando não apenas com o maior manancial do estado de São Paulo, mas também com o segundo.

– Mais uma vez: depois de explorar ao máximo o Sistema Cantareira em plena estiagem, estamos fazendo rigorosamente o mesmo com o Sistema Alto Tietê.

– Uma boa notícia, para concluir: o TCU irá investigar a atuação dos órgãos federais (Ministério do Meio Ambiente, ANA, Aneel) na crise hídrica (http://bit.ly/ZOnuvS).

E esse foi o boletim de hoje. Pode entrar em pânico que amanhã tem mais.

 

141028-Copo21/10/2014

No boletim de ontem, vocês se lembram, ficamos sabendo que o candidato Laércio afirmou que “talvez tenha faltado uma parceria maior do governo federal” na crise hídrica em São Paulo (http://bit.ly/1wkZ6wE). Resolvi investigar por conta própria, então, qual teria sido o papel do governo federal na crise hídrica em São Paulo:

Procuradores do MPF e do MPE de São Paulo moveram uma ação contra a Agência Nacional de Águas (ANA), o Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) e a Sabesp, numa tentativa de impedir a captação desenfreada do volume morto. Repare que a ANA, órgão federal, é ré no processo. Assim, fui atrás da decisão liminar referente à ação dos procuradores para entender qual a participação da ANA na crise até aqui. Cito a decisão (http://bit.ly/1yXHPyT):

– “A ANA e o DAEE afastaram o sistema de controle de risco do sistema (CAR) por meio da Resolução Conjunta n. 910/14 (p. 6). O gráfico abaixo demonstra que (…) o volume de água a ser desviado para a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) deveria ser drasticamente diminuído (p. 31). Ocorre que, sem qualquer fundamentação plausível, a Resolução Conjunta ANA/DAEE 910/14 afastou a utilização do CAR. Tal ato administrativo passou a fixar como controle de risco ‘as determinações dos órgãos gestores, ANA e DAEE (…)’, pelo que se nota que a premissa para a avaliação do risco em que incorria o sistema passou a ser regido por critérios atécnicos (p. 33)”

– No entanto, a decisão também afirma: “Mediante estudos técnicos, em especial o produzido pelo INPE/CPTEC, foi verificado, desde 2000, a redução dos índices pluviométricos no estado de SÃO PAULO. (…) Contudo, mesmo diante de todas essas constatações, o Governo de São Paulo e a SABESP não instituíram o rodízio.” (p. 5)

– E ainda: “é incontestável que o Governo Paulista sabia da crise pluviométrica pela qual passava o Estado de São Paulo há algum tempo, conforme demonstra parte da nota técnica conjunta da ANA e do DAEE, de fevereiro de 2014” (p. 33)

Portanto, concluo o seguinte – o governo federal (ANA) e o governo estadual (DAEE) são CONJUNTAMENTE responsáveis por:

– emitir uma resolução que permitiu captações elevadas do Sistema Cantareira, ignorando o sistema de controle de risco do sistema (CAR).

Já o governo estadual é responsável por:

– não ter instituído o racionamento oficial no início deste ano, mesmo sabendo da gravidade da situação;

– não ter levado em conta relatórios de 2003 e 2009 da FUSP que alertavam para o risco de colapso de abastecimento (http://bit.ly/M6INl7);

– não ter construído reservatórios (cito novamente a decisão liminar: “há anos o estado de São Paulo necessita de novas represas para armazenar a quantidade de água necessária a prover a demanda crescente”);

– não ter combatido exitosamente as perdas de água causadas por ineficiências no sistema (http://bit.ly/1vveN7j);

– não ter admitido a gravidade da crise para a população – segundo Alckmin, não falta água em São Paulo (http://bit.ly/1tJVSFZ);

– não ter instituído nenhuma medida de combate à crise além do programa de bonificação para quem economiza água;

– não ter feito nenhum plano para o abastecimento do estado caso não chova dentro da média histórica (http://glo.bo/1x70NxV).

Mas vamos aos falta d’água facts de hoje:

– Alckmin ataca ONU pela crítica feita por uma relatora da entidade, que afirmou que a crise hídrica no estado é de responsabilidade do governo estadual (http://bit.ly/1FwgioX). (Não contente, a assessoria de imprensa do governo de SP atacou o UOL por ter revelado que Alckmin atacou a ONU.)

– Enquanto isso, o presidente da ANA voltou a dizer o que já havia dito em 10/10 (http://bit.ly/1wof7Si): não existe uma “terceira” cota de volume morto; isto é, acabando a segunda cota, não tem mais água (http://bit.ly/1or6Ca8).

– Em reação às declarações do presidente da ANA, o deputado José Aníbal, ex-secretário de Alckmin e atual primeiro suplente de Serra no Senado, chamou o presidente da ANA de vagabundo e disse que ele “torce contra SP” (http://bit.ly/1FzXYeS) (http://bit.ly/1wjm9ZE) (http://bit.ly/1CtgTwZ);

– Já o secretário da Casa Civil de SP disse que, com suas declarações, o presidente da ANA quer “disseminar o pânico” (http://bit.ly/1tJX3Fs).

O presidente da ANA eu não sei, mas eu gostaria de deixar bem claro que meu objetivo com estes boletins é exatamente este: disseminar o pânico. Porque depois do segundo volume morto, não existe um terceiro, quarto, quinto e assim infinitamente – e se o fim da água não é motivo para pânico, não sei o que deveria ser.

Esse foi o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.

 

141028-Copo20/10/14

– Falta d’água ultrapassa Gilma e Laércio e atinge 60% dos moradores da cidade de São Paulo (http://bit.ly/1rmXz4U);

– Em compensação, brancos, nulos e indecisos superam em muito o Sistema Cantareira, que cai de 3,6% para 3,5% apesar do temporal de ontem (http://bit.ly/1ws03oL) – ou, segundo este outro cálculo, 1,5% (http://bit.ly/1t6N0YY);

– PSDB enfim desiste de responsabilizar São Pedro pela falta d’água (http://bit.ly/1wkZ6wE). Afinal, para que zoar com o pobre do santo quando sempre se pode culpar o PT? Maldito governo federal, que optou por respeitar a gestão do governador democraticamente eleito Geraldo Alckmin em vez de destituí-lo à força;

– Mas não façamos comparações com o passado, como diz o candidato Laércio; em vez disso, olhemos para o futuro. Para quem mora na cidade de São Paulo, nada como Itu para nos mostrar o que vem pela frente: (http://bit.ly/1ux0bPr).

E assim termina o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.

 

141028-Copo18 e 19/10/14

– Sistema Cantareira cai a 3,6% da capacidade de armazenamento… (http://bit.ly/1Fojymj)

– … ou não. Segundo a Folha, há apenas 1,9%… (http://bit.ly/1qXA3Ml)

– … e a Sabesp só falta dizer “vocês aí que se entendam, eu não informo mais nada” (http://bit.ly/1jxLjiF e http://bit.ly/1jxLjiF).

(Alguns hospitais têm adotado a prática de desligar o visor dos aparelhos conectados a pacientes em estado terminal. Quer dizer: se o paciente está prestes a morrer, a família que está com ele no quarto não precisa ser lembrada disso com números alarmantes piscando em painéis coloridos o tempo todo. Os médicos e enfermeiros monitoram os aparelhos de longe, e a família pode esperar a morte em paz – ou, alternativamente, continuar acreditando que de uma hora para outra o paciente irá levantar da maca e sair andando.)

– Enquanto isso, nos altos escalões do poder (1), os candidatos à presidência da República discutem os importantíssimos temas saúde & educação no debate eleitoral. Só faltou lembrar que não adianta construir mais um milhão de escolas e hospitais se eles não tiverem ÁGUA para poder abrir as portas;

– Enquanto isso, nos altos escalões do poder (2), a presidente da Sabesp cansou dessa bucha, mas só vai sair depois da eleição (http://bit.ly/1poH8Fw).

(Passado o primeiro turno, todas as regiões da cidade de São Paulo passaram a registrar falta d’água. Passado o segundo turno e efetivada a demissão da presidente da Sabesp – façam suas apostas.)

– Enquanto isso, nos baixos escalões da nossa vidinha de sempre (1), os fiscais do Sarney deram lugar aos xerifes da água (http://bit.ly/1rmpemv);

– Enquanto isso, nos baixos escalões da nossa vidinha de sempre (2), supermercados que recebiam em média 300 fardos d’água por semana (crise hídrica também é cultura: “fardo” é um conjunto de 6 garrafas de água mineral de 1,5L) agora estão recebendo 1500 (http://bit.ly/11TTiks);

– Enquanto isso, nos baixos escalões da nossa vidinha de sempre (3), salões de beleza e pet shops, como posso dizer de forma educada, se foderam (http://glo.bo/1sEuNQU);

– Mas nem tudo está perdido: paulistanos como Lorenzo Martin vêm se esforçando para enfrentar a falta d’água com alguma dignidade e – é preciso dizer – ~muita sensualidade~ (http://bit.ly/10bRFy3).

E esse foi o boletim do fim de semana. Calma que amanhã tem mais.

141028-Copo17/10/2014

– Com a segunda cota do volume morto, o abastecimento estará garantido até 2015, segundo o governo de São Paulo (http://bit.ly/1wbMU26). Mas em que mês estamos agora?

– Em São Paulo, não estamos em outubro de 2014, e sim nos idos tempos do Antigo Testamento: pessoas sonham com água, cavam poços, fervem a pouca água encontrada, cozinham com ela, agradecem o milagre alcançado (http://bit.ly/1qIlmg8);

– Em São Paulo, não estamos em outubro de 2014, e sim no futuro de Mad Max: pessoas recebem água através de caminhões-pipa que, depois de repetidas tentativas de saques e ataques, agora só rodam sob escolta (http://bit.ly/1rjDTP9);

– Em São Paulo, não estamos em outubro de 2014. Alckmin aprendeu com o pai que só chove em São Paulo nos meses que têm a letra “r” no nome. Neste mês, choveu até agora 0,4 milímetro, sendo que a média histórica do mês é de 130,8mm (http://glo.bo/1wS1nzd);

– Estamos, portanto, em outublo de 2014.

E assim termina o boletim de hoje. Calma que segunda-feira tem o boletim do fim de semana.

 

141028-Copo16/10/2014

– Alckmin manda a real: a água não vai acabar, ainda tem bastante volume morto para ser usado e, acabando a primeira cota do volume morto, tem uma segunda maior ainda prontinha para ser captada (http://glo.bo/1nrCyKK);

– A água não vai acabar – exceto nos banheiros da estação Brás do metrô, onde já acabou (http://bit.ly/1DhbXUK);

– A água não vai acabar – exceto em 34 escolas da cidade de São Paulo, onde já acabou (http://bit.ly/1suoPlI);

– A água não vai acabar – exceto em 15 unidades de saúde da cidade de São Paulo, onde já acabou (http://bit.ly/1suoPlI);

– A água não vai acabar – exceto em estabelecimentos comerciais no bairro do Limão, onde já acabou (http://bit.ly/1ue6lnr);

– A água não vai acabar, mas o caminhão-pipa está até 275% mais caro (http://bit.ly/1svBjJC) – só pode ser culpa da inflação;

– Em suma: se você, a despeito dos melhores argumentos de Alckmin, tem a leve impressão de que a água está acabando e de que seria bom economizar, as Irmãs Minerato ensinam a encarar a falta d’água de forma sexy sem ser vulgar (http://glo.bo/1CtO4a7).

E assim termina o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.

 

141028-Copo15/10/2014

– Passada a eleição, a falta d’água já afeta todas as regiões da cidade de São Paulo (http://bit.ly/1rucERU);

– Inclusive os bebedouros do Parque do Ibirapuera (http://bit.ly/1pfj1J3);

– Inclusive os vizinhos do Alckmin (http://bit.ly/1DesZCU);

– A Sabesp já admitiu que, se não chover, a primeira cota do volume morto acaba em novembro. Sendo assim, o plano é a) orar para que chova b) captar a segunda cota do volume morto (http://bit.ly/1w9H00w);

– A parte de orar para que chova já está sendo cumprida por um vereador-pastor de Franca, cidade onde a Sabesp “não assumiu oficialmente o racionamento, mas divulgou uma lista com dezenas de bairros que estão com corte de água” (http://bit.ly/1sspNyC);

– A parte de captar a segunda cota do volume morto também já começou a ser implementada, apesar de não ter sido autorizada pela justiça (http://bit.ly/1Co08cY);

– Enquanto isso, a Sabesp não tem com o que se preocupar: a CPI da água na Câmara dos Vereadores de SP é só um teatro que “não tem a menor consequência”, conforme garantiu o vereador tucano Andrea Matarazzo (http://bit.ly/Zu66Ms).

E assim termina o boletim de hoje. Calma que amanhã tem mais.

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2 comentários para "Boletim da falta d'água em São Paulo – 27/10/14"

  1. Leonardo Onofre disse:

    Camila, os links que você colocou na reportagem estão alertando para possíveis vírus. Verifique o editor da plataforma em que você trabalha para verificar se não existe outra possibilidade para citar reportagens.
    Att,

  2. Naaman Sousa de Figueiredo disse:

    Sugestão de leitura (para quem ainda não leu, é claro):
    O livro “Não verás país nenhum” do paulista Ignácio de Loyola Brandão.
    Esse livro foi lançado em 1982. Profético? Tomara que não. Trecho:
    “Temos que convir. Vocês são felizes, conhecendo coisas que estão por vir. Nem todo mundo tem o privilégio.Não me perguntem: o que podemos fazer para evitar que tal época venha a existir? Se moverem um parafuso dentro da ordem das coisas, o que estou vivendo não acontecerá.”
    Aí, os “paulista” reelegem o Alckmin…

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