Artes Visuais: a indispensável volta da Bienal da Bahia

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Cortejo performático de Luisa Mota, na noite de abertura da 3ª Bienal, em 29/5

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Depois de 45 anos, retoma-se exposição que abrigou Tropicália e expressou, até que ditadura a fechasse, presença do inconformismo e contracultura fora do eixo Rio-S.Paulo

Por Almandrade

Depois de sessões livres no auditório do Museu de Arte Moderna (MAM) da Bahia para discutir uma possível mostra bianual de artes visuais, a 3ª Bienal da Bahia, mais de 45 anos depois da 2ª, já não é mais uma promessa: foi aberta em 29 de maio, e vai se estender por cem dias, até 7 de setembro. Era uma reivindicação e um fantasma que rondava o inconsciente dos artistas, principalmente os mais jovens. As falas foram muitas, faltaram os analistas. Nos últimos quarenta anos, não avançamos no pensamento, nem construímos, ainda, uma política cultural mais efetiva, apesar do investimento na mobilização de comunidades e operários da arte em torno do tema, nesse país.

O relato de quem vivenciou e de quem acompanhou os acontecimentos, mesmo distante no tempo, das Bienais da Bahia coloca em cena um contexto diferente do momento que estamos vivendo, esquecido no fundo da memória, importante para se retomar uma experiência, com as referências históricas. O cenário das artes em 1966 e 68 era de uma Bahia centro da descentralização da arte brasileira. A crescente industrialização do Nordeste, a Sudene, o Centro Industrial de Aratu, o Banco do Estado da Bahia inauguravam uma nova consciência no Brasil e acreditava-se numa mudança na cultura do Nordeste, contexto favorável para a Bienal da Bahia, a mais importante exposição de arte do país depois da Bienal de São Paulo.

Na segunda metade da década de 1960, houve na Bahia uma força de vontade de acompanhar as diversidades da vanguarda brasileira. Não havia um procedimento de vanguarda, nem um pensamento, era mais um inconformismo com a situação em que se encontrava a Bahia diante das inquietações dos anos 1960: Contracultura, Tropicália, experimentalismo e as rupturas dos suportes tradicionais. A vontade de intercâmbio com a vanguarda resultou nas Bienais da Bahia, que contou com a participação das manifestações mais importantes da época: Concretismo, Neoconcretismo, Tropicália etc., fazendo de Salvador o centro das artes plásticas brasileiras. Chegou a provocar o cenário cultural local, contrário a uma atualização do meio de arte baiano. Como o regime político do final dos anos 60 era pouco favorável à liberdade cultural e foi decretado o AI-5, a 2ª Bienal foi fechada. Foi o fim de uma iniciativa que deixou a arte brasileira de luto.

Sem um projeto de continuidade, falta de interesse por mudanças por parte de artistas e críticos da cultura local, o futuro da Bienal estava condenado. A 2ª Bienal foi fechada logo após a inauguração, em decorrência do momento político crítico que passava o país. A mudança cultural esperada com a industrialização, não passou de um sonho. A realidade cultural e política hoje é outra, mas é preciso conhecer o passado para dar um passo adiante.

Uma mostra de arte de repercussão nacional é o objeto da ansiedade de artistas locais, e a coisa prometida do Estado que merece uma atenção mais depurada, principalmente em tempos de bienais, curadorias e residências artísticas; a expectativa é diferente daquela da década de 1960. As discussões promovidas pela direção do museu foram oportunas, colocaram sobre a mesa questões pertinentes que ultrapassaram as possibilidades da realização da mostra, como: as próprias ações, não só do MAM, como também dos outros museus de arte, e o estágio em que se encontra a formação dos artistas e a arte nos dias de hoje. Entre a burocracia dos editais, as leis de incentivo e a superioridade do mercado, os museus se encontram numa corda bamba, sem recursos para realizar seus projetos e manter uma programação livre de pressões externas alheias aos compromissos culturais da instituição.

Se o MAM deve, ou não, promover uma mostra nacional de arte, não vem ao caso. Primeiro é necessário que ele disponha de um projeto curatorial mais amplo, capaz de driblar a burocracia e as pressões externas. O dispositivo de sustentação para garantir que a referida mostra não seja uma grande festa isolada, que acaba com uma ressaca no dia seguinte. Afinal, museu não é instituição de caridade para adotar ‘artistas carentes”, e muito menos casa de eventos à disposição de proponentes e patrocinadores que querem divulgar suas marcas. Embora muitas salas de exposição se encontrem atualmente à espera de propostas premiadas nas loterias dos editais, alguns projetos até nem precisariam apelar pra sorte para ter visibilidade e aprovação: são necessárias ao circuito cultural.

Depois que a cultura foi dominada pela barbárie, numa sociedade que privilegia a produção de mercadorias culturais, o pensamento foi derrotado pela indústria do entretenimento e o poder do mercado. Quem acaba decidindo o que é arte é o mercado; com o apelo publicitário, ele impõe o valor e a legitimação. As feiras mobilizam os investidores, superaram em termos de expectativa as bienais de arte, que foram transformadas em supermercado de periferia, com produtos mais em conta para o consumidor de classe média. Não se acredita mais na linguagem, mas no valor de troca. O pensamento é o líquido derramado que brilha na superfície da obra, com prazo de validade limitado. Se o objeto de arte for um falso brilhante, não importa, satisfaz à chamada economia criativa.

O público, de formação estranha à história da arte, procura um investimento seguro. Uma bienal de arte, como uma feira de automóveis, se não for um banco de informações confiável, traz ao mercado novidades para estimular ou chamar a atenção do consumidor. Mas, com um mínimo de inteligência, pode contribuir para informar e transformar o meio de arte. Neste caso, com a 3ª Bienal da Bahia, de tema “Nordeste”, espera-se colocar a região no cenário nacional e chamar a atenção para a necessidade de um aprofundamento da linguagem artística na região. Embora o Estado, em nome de uma democracia cultural, prefira investir na formação de proponentes, em cursos de preenchimento de formulários e de formatação de projetos, em detrimento da crítica, da informação de artista, da formação de público, da capacitação de recursos humanos e da qualificação dos espaços culturais.

A discussão pré-bienal promovida pelo MAM-Ba valeu a pena, a reconstrução da história é favorável ao pensamento, a cultura lucra. Nem tudo é absurdo e bizarro. A 3ª Bienal deixou de ser um sonho. Mais adiante, depois de inaugurada, merece um avaliação crítica.

Almandrade é artista plástico, poeta e arquiteto

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