E o Brasil perseguirá os imigrantes?

Haitianos diante da Missão Paz, no Glicério, em São Paulo

Haitianos diante da Missão Paz, no Glicério, em São Paulo

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A pretexto de regulamentar lei avançada, governo Temer inverte seu sentido e adota dispositivo que permite prisão arbitrária pela PF. Retrocesso faz lembrar atitude da ditadura

Por Mauro Lopes

O Decreto 9.199 assinado por Michel Temer na última semana (segunda feira, 20) desconsiderou todas as críticas e recomendações da sociedade civil e desvirtuou conquistas da Lei de Migração (Lei 13.445) de 24 de maio de 2017.

O Decreto retoma o espírito do Estatuto do Imigrante, editado durante a ditadura, em 1981, que enxergava os migrantes como ameaça potencial à “segurança nacional”. Segundo Letícia Carvalho, da Missão Paz, organização que recebe migrantes e refugiados, “não dá pra descolar a temática migratória do contexto como um todo que o país está vivendo. Na visão deles, a maneira como está é como deve ser, que é a visão do Estatuto do Estrangeiro, da segurança nacional. Eles têm essa visão bastante clara e pouco suscetível ao diálogo. Não estão dispostos a acolher esse novo paradigma que veio com luta”. A Missão Paz integra uma rede de organizações de apoio aos migrantes da Congregação dos Missionários de São Carlos (padres scalabrinianos), presente em 34 países. Ela foi ouvida pela Radioagência Brasil de Fato.

Além de manter termos como “imigrante clandestino”, o decreto prevê em seu Art. 211 a possibilidade de prisão para migrantes em situação irregular por solicitação da Polícia Federal. Essa medida contraria frontalmente a Lei de Migração, que determina que “ninguém será privado de sua liberdade por razões migratórias” (Art. 123).

“Apesar de ser um país historicamente formado por fluxos de migrantes de todas as partes do mundo, o governo retoma com esse decreto uma visão ultrapassada e discriminatória de migração como questão de segurança pública, permitindo que pessoas possam ser criminalizadas pela sua situação migratória”, afirmou Camila Lissa Asano, coordenadora coordenadora de Política Externa e Direitos humanos da Conectas Direitos Humanos.

Para Asano, ouvida pela equipe do próprio site da entidade, a nova lei de migração foi um marco internacional e colocou o Brasil na vanguarda das políticas migratórias; porém, o decreto coloca abaixo pontos amplamente negociados e aprovados de modo suprapartidário e participativo pelo Congresso.

“Estamos diante de um governo que não entende que um ato normativo como um decreto não pode contrariar uma lei”, lamentou.

O decreto ainda torna mais rígidas as regras para visto de trabalho e cria uma seletividade que contraria o princípio de acolhimento igualitário dos migrantes. Se por um lado a lei de migração previa visto temporário ao imigrante que viesse ao Brasil com o intuito de estabelecer residência, o decreto determina condicionantes que dificultam o acesso a esse direito, como a comprovação da oferta de trabalho no país ou alguns tipos específicos de trabalho.

Segundo Asano, a sociedade civil deve se organizar para questionar a legalidade de diversos pontos do decreto e trabalhar para a regulamentação de partes importantes deixadas de lado, como o visto humanitário. A Conectas e outras 46 entidades e especialistas no tema assinaram uma carta pública questionando o decreto e a participação social no processo de regulamentação da nova Lei de Migração: “Estudaremos as medidas cabíveis contra os trechos do decreto que contrariam a lei”, afirmou.

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