A direita radical de olho na América do Sul

Com orientações e dinheiro de mega-empresas e da Casa Branca, grupos como o MBL exploram contradições da esquerda para propor o “despotismo liberal”.

Análise: Antonio Martins | Vídeo: Gabriela Leite

Como floresceram, em toda a América Latina, movimentos muito parecidos ao MBL? Quem os financia? Que estratégias permitiram a eles explorar os limites e as contradições dos primeiros governos de esquerda, na região? Quais suas relações com o grande poder econômico global e com a Casa Branca, o Departamento de Estado norte-americano, o Pentágono? Aos poucos, alguns dos fatos que mais marcaram a região estão começando a ser esclarecidos. Dois textos publicados por Outras Palavras – um hoje, outro quatro semanas – ajudam a jogar luz sobre um fenômeno antes muito pouco investigado.

O primeiro texto está, em nossa seção Outras Mídias. Foi produzido originalmente pelo jornalista investigativo norte-americano Lee Fang, para o excelente site The Intercept, de Glenn Greenwald. Relembra a paciente construção do pensamento neoliberal em todo o mundo. É algo que poderia inspirar a reinvenção da esuqerda. A partir do final da II Guerra, um pequeno grupo de pensadores de direita revoltou-se contra o capitalismo com rosto social, que surgia então, em resposta à União Soviética e aos Partidos Comunista.

Pensadores como Fridrich Hayek e Ludwig von Mises acreditavam que, para combater o socialismo, não era necessário melhorar as condições de vida – mas, ao contrário, tornar o capitalismo ainda mais cru. Hayek e Von Mises horrorizavam-se com sistemas como a Saúde Pública ou a Educação igualitária da Europa social-democrata. Eles queriam o capitalimo sem disforces: quem pode, compra; quem não pode, que se vire ou que se dane.

Estas ideias atraíram, como seria de esperar, a atenção e o dinheiro de grandes grupos econômicos. A matéria que reproduzimos conta como bilionários – a exemplo dos Irmãos Koch, reis da indústria petroleira norte-americana – financiaram a construção de uma enorme rede de think tanks, centros de difusão e propaganda de ideias baseadas na desigualdade, na competição de todos contra todos e na lei do mais forte. O texto também mostra que os ultra-liberais dizem ser anti-estatais, mas sentem-se muito à vontade quando recebem as benesses, os privilégios – e em especial o dinheiro – do Estado mais poderoso do mundo, com sede em Washington.

O que também está no texto – e era pouco conhecido até hoje – é a rede de movimentos que os ultra-capitalistas financiam. O autor da investigação jornalística esteve em Buenos Aires, há poucas semanas, onde os integrantes de Atlas Network, partidários da lógica de competição extrema e do fim de toda solidariedade reuniram-se pela última vez. Os relatos beiram o bizarro. Concursos em que ganha 5 mil dólares, na lata, quem propuser o sistema mais engenhoso de sucatear serviços públicos. Um dos ideólogos abre o jogo: não devem ser reveladas, jamais, as relações da rede com empresas e governos. Do contário, explica ele, a opinião pública não os aceitará. O segredo é a alma do negócio. É preciso manter encobertas essas relações.

* * *

Mas qual o núcleo das ideias defindidas por esta articulação entre pensadores do ultra-individualismo e militantes que preferem esconder seus propósitos verdadeiros? Para compreender isso, o texto de George Monbiot – “O programa secreto do capitalismo totalitário” – é fundamental.

Monbiot mostra que os seguidores contemporâneos de Hayek, von Mises e dos think tanks norte amerianos radicalizaram mesmo o pensamento de seus mentores intelectuais. Entre as novas estrelas que fazem a cabeça do MBL e dos outros movimentos financiados pelos irmãos Koch estão ideólogos como o norte-americano James Buchanan. Eles quererm deixar para trás até mesmo pensadores como Milton Friedman, um colaborador do general Pinochet, para quem o Estado deveria desregulamentar todas as atividades econômicas.

Agora, eles querem mais. Propõem a liberdade total dos capitalistas – inclusive sobre os Estados. E dizem, abertamente: em nome desta liberdade individiual das pessoas muito ricas, deve-se praticar… o despotismo! Nas palavras de James Buchanan, estes sistema de poer ultra-autoritário, “pode ser a única alternativa para a estrutura política que temos”.

São palavras que reverberam, conscientemente ou não, na voz do novo comandante da ROTA, a polícia de choque violenta de São Paulo. Diz o tenente-coronel Ricardo Augusto Araújo: “A forma do policial abordar tem que ser diferente, na periferia e nos Jardins. Se ele for abordar uma pessoa da mesma forma ele vai ter dificuldade”. Ou seja: já não há República, apenas lei do mais forte.

* * *

O Estado, dizia Marx, é o Comitê Central das classes dominantes. É por meio dele que se impõe a dominação. Nossos textos revelam que até mesmo este padrão começa a mudar. Para um setor cada vez mais influente dos defensores do capitalismo, é hora de transitar. Não querem mais o Estado – que domina mas assegura certos direitos básicos.

Uma investigação suplementar, ainda por fazer, deveria tentar investigar as relações entre estes ultra-capitalistas, muito influentes, e a estratégia dos Estados Unidos em países como o Afeganistão, o Iraque, a Líbia, a Síria, o Yêmen. Lá, tudo indica, já não se busca controlar o Estado Nacional, mas inviabilizá-lo, deixando terra arrasada e abrindo caminho para relações diretas com gangues que controlam riquezas como o petróleo. A Líbia, por exemplo, não tem mais um Estado Nacional desde 2011, quando o general Khadafi foi deposto e assassinado. Mas o petróleo flui continuamente para alimentar as empresas petroleiras e o padrão de vida ocidental.

Será este o padrão que buscam para o Brasil, com dinheiro farto, grupos com o MBL?

Leia Também: