Amor a Caetano, 75

“A beleza salvará o mundo”, disse Dostoiéviski. Em tempos trágicos de Brasil em transe, é revigorante saber que, artista e belo, ele resiste a ditaduras, exílios, censuras e ódios

170808-Caetano

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Por Juliana Magalhães

Era 1967 e o domingo ainda não era no parque. Era um Domingo de ventania que balança saias de seda das meninas em uma praça longe do mar, ainda que estivesse acesa a memória viva e líquida da atmosfera baiana: onde eu nasci passa um rio. Rio esse que não deságua apenas no mar. Atravessa e deságua no lirismo de Caetano Veloso. O disco de lançamento de Caetano e Gal Costa, Domingo, possui qualquer aspiração perene: brisa verde, verdejar/vê se alegra tudo agora. Há sol e há lua. Há o amor presente em sonho e em distância. Há Caetano num gesto de tamanha delicadeza, rogando ao sabiá para dizer o que precisa ser feito para não morrer de amor, em Zabelê. O suspiro pela saudade do mar e de todos os simbolismos que refletem a Bahia como um fim de tarde que nunca passa. Um domingo insólito, consumido não pela monotonia característica do dia, mas pelo sentimento afável em ritmo bossa-novista e por reflexões líricas.

Em 1968, distanciou-se da suavidade irretocável de Domingo, rompendo com o molde esférico e leve da bossa nova. São tempos de Terra em Transe do Gláuber Rocha e de leituras provocadoras de Brasil. A beleza agora é totalmente outra e o tropicalismo começa a dar o seu primeiro respiro no disco Caetano Veloso – 1968. No centro da capa vermelha há Caetano, rodeado de uma paisagem intrépida: uma mulher de cabelo laranja com folhas na cabeça com uma cobra do corpo; um dragão; bananas e mais folhas verdes. A faixa inaugural do disco não é só início do Tropicalismo, é um início do olhar primeiro de Brasil. Um trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha: o primeiro registro histórico e literário do país. Nesse disco há Carmem Miranda, Iracema, Brigitte Bardot, Coca-Cola, Bahia, entre outros símbolos modernos que nos inserem num espaço-tempo. Caetano explode a linguagem e a música utilizando-se antropofagicamente de vários elementos. Navegar é preciso. E experimentar também.

No ano em que o compositor completa 75 anos de vida, seria possível discorrer e fazer infinitas análises críticas sobre mais discos geniais de Caetano Veloso: Tropicália ou panis it Circense (1968); Transa – 1972; Jóia- 1975; Muito (Dentro da estrela azulada) (1978); Cinema Transcendetal (1979) entre tantas obras intocavelmente bonitas, lúdicas, políticas e inteligentemente pensadas por Caetano Veloso para o ‘terceiro mundo’. Mas não quero falar sobre isso. Quero falar da beleza viva de Caetano. Em tempos trágicos de Brasil em transe, é significativo e revigorante saber que Caetano Veloso respira e pensa brilhantemente há 75 anos. E resiste: à ditaduras, exílios, censuras, ódios. E mais uma vez, resiste a golpes. Artista e belo. O canto de Caetano há 75 anos faz ecos e mais ecos em diversos mundos dentro de um só Brasil e em diversos mundos dentro da gente. ”A beleza salvará o mundo” disse Dostoiévski. Eu acredito nesses dizeres porque acredito, sobretudo, em Caetano Veloso. Tempo, ouve bem o que te digo: que a beleza de Caetano resista por mais 75 anos a você e a todo o resto: golpes, ruídos, ódios, e outras coisas a mais – que infelizmente – não são tão belas assim.

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2 comentários para "Amor a Caetano, 75"

  1. Marcio Nicolau disse:

    Uma beleza esse texto!

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