Como foi a tarde de terror na USP

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Duas professoras vítimas da brutalidade policial descrevem as provocações e violência gratuitas da PM. Elas frisam: não basta culpar soldados; repressão é responsabilidade da reitoria

Por Priscila Figueiredo e Paula Marcelino

Que fique claro: o primeiro ataque foi da polícia. O que os estudantes, funcionários técnico-administrativos e professores enfrentaram ontem (7/3) na frente de uma reitoria completamente cercada por grades e polícia — foi brutal.

Cremos que não era claro para ninguém o que exatamente ia acontecer ali. Mas o fato de a reitoria ter sido toda cercada por grades e ter apenas duas entradas transformou o ingresso  nela em algo simplesmente impossível.

Palavras de ordem foram ditas, de maneira mais ou menos espontânea, desordenada, para o reitor e para a polícia: Fora Zago! Fora PM! Essa foi a “provocação”…

A polícia fez diversas demonstrações de terrorismo. Somos testemunhas de que a tropa de choque começou a atirar bombas sem que houvesse nenhuma das condições extremas que havia pouco alguns policiais —  um dos quais viemos a saber depois que era um dos comandantes  — tinham apresentado como situações nas quais eles poderiam agir com alguma violência. Eles conversavam com conselheiros do CO, André Singer, Eugenio Bucci, Paulo Martins e Alexandre Magrão, e com Tercio Redondo, os quais tinham ido até eles para pedir que não agissem de forma violenta. Estando perto, perguntei o que era uma situação extrema. Jogar pedras. Depois de uns segundos, a segunda condição aparecia: ora, desacato. O que o senhor considera desacato? Se um grupo de manifestantes furar o bloqueio e tentar impedir a reunião — essa seria uma condição extrema? Invasão, você quer dizer? Invasão é crime.

Bem, não houve pedras nem plumas nem invasão. Para sermos rigorosas, não houve nada —  eles começaram o ato sozinhos, se posicionando de uma maneira que nos pareceu um pouco estranha, no meio da rua — era fácil de ver, pois estávamos ao lado deles, a uns 8 metros de distância, um tanto quanto ingênuas, pensando que se tratava apenas uma demonstração de força. A nós parece claro que agiram conforme uma agenda que já tinha sido previamente estabelecida, provavelmente conforme ordem superior. Então começaram a “cena” como os únicos personagens dela:  jogando bombas, sem nada que os provocasse, sem nenhuma “interação dramática”,  e levando à única interação possível da parte dos manifestantes — fugir.

As bombas foram sendo despejadas em ciclos — alguns manifestantes tentavam retornar, havia pausas e então recomeços de explosões — e  num raio cada vez mais amplo. Em certa altura, nossa única alternativa foi entrar pelo gramado com árvores que vai dar na Praça do Relógio. Estávamos andando rápido, mas logo ouvimos, Paula e eu, um “saiam, saiam”. Eram policiais, um deles com cassetete,  atrás de alguns estudantes, mas pouco depois eles voltaram. Ficamos próximas de uma árvore, esperando calmamente que se aproximassem, não estávamos armadas, não representávamos nenhum tipo de ameaça.

Dissemos, num rompante de atrevimento e indignação, que eles deveriam parar de perseguir gente desarmada. Nos acusaram de sermos parciais, de estarmos de “mimimi” , de dizerem que tinham reagido a pedradas (apenas imaginárias, evidentemente) e por fim um deles nos agrediu verbalmente, usando uma palavra de tão baixo calão e tão machista que temos dificuldade em expressá-la. E tínhamos dito a eles que  éramos professoras…

Mais tarde, quando a área em frente à reitoria já estava bastante esvaziada, assistimos ainda ao que eram duas demonstrações inequívocas do poder repressivo: quatro camburões cantando pneus passavam pela rua da reitoria em direção à avenida, dois dos quais com estudantes no banco de trás. Como ainda comentou uma funcionária: Saíram com tanta violência! Parecem  que fazem questão de machucar os estudantes até dessa forma, chacoalhando assim o carro. Em seguida, policiais em motos, várias, perseguiam um estudante na rua transversal, que dá acesso à ECA. As motos ziguezaguevam em alta velocidade, alternando-se entre a rua e a calçada — deviam ser quatro ou cinco e perseguiam uma única pessoa, a pé. Não sabemos se “apenas” o assustaram ou chegaram a prendê-lo.

Pouco antes, tínhamos sentido o  quanto o gás lacrimogêneo pode ser agressivo, especialmente quando uma de nós se aproximou dos policiais porque submetiam uma moça, de bruços no chão e com os braços sendo puxados para cima. Alguns estudantes gritavam próximos do local e eu e Priscila nos aproximamos. Mas vinham bombas de todos os lados e saímos já sofrendo alguns efeitos do gás, que rapidamente passaram. Para nós duas foi a primeira experiência com gás lacrimogêneo. E foi na USP…

Nenhuma de nós é neófita em manifestações. Mas não esperávamos tanta violência dentro da Universidade e não a tínhamos visto tão de perto mesmo fora dela.

Nada justifica o que aconteceu. Nada, a não ser um autoritarismo sem limites de alguém (alguens?) que a estrutura de poder da USP permite e sustenta.

Essa relação indecente entre a reitoria da USP e a PM de Alckmin não pode ser entendida como normal. Nunca o diretor de uma instituição pública como a Universidade de São Paulo deveria poder agir de tal forma sem que houvesse nenhum tipo de mecanismo para sua deposição ou punição.

Não somos nós apenas as que dormimos com esse barulho ontem. A comunidade vai demorar para se recuperar de tal ruptura.

 

 

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2 comentários para "Como foi a tarde de terror na USP"

  1. Arthur disse:

    Como vimos pela narrativa das duas professoras, a repressão ditatorial está em todas as partes desta republiqueta das bananas.

  2. Lourival Almeida de Aguiar disse:

    Na segunda metade da década de 60, a ditadura civil-militar fazia coisa semelhante com os estudantes mas FORA DA UNIVERSIDADE. No caso, a ação da PM do governo Alkmin feriu ate a autonomia da universidade. E aí tinha que ser com a conivência do Reitor. É de indignar qualquer um que acredite na Democracia!

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