A crise do governo e a ausência da esquerda

Moreira Franco, Alexandre de Moraes e Marcela Temer colocam Planalto na defensiva. Mas faltam um projeto de país e uma narrativa consistente sobre o cenário político. Direita ameaça ocupar espaço

Por Antonio Martins | Realização: Gabriela Leite

Não se engane com as aparências: a conjuntura política é e continuará instável com a economia mergulhada em crise, o desemprego e os riscos de convulsão social. O governo Temer apanhou como boi ladrão ontem no Jornal Nacional – por onde se informa (ou desinforma) a maior parte dos brasileiros. A edição levantou, com viés muito desfavorável para o Planalto, os três fantasmas que tiram o sono do presidente: a nomeação de Moreira Franco (“gatinho Angorá” citado 30 vezes na lista da Odebrech) para o ministério; indicação de Alexandre Moraes (envolvido em denúncias de plágio e fraude) para o STF; e o estranhíssimo caso de chantagem contra Marcela Temer, que envolveria seu marido e que está sob censura judical na Folha e no Globo, a pedido da Presidência.

Crises como esta ocorreram outras vezes no governo Temer. Por exemplo, em maio passado, quando o então ministro Romero Jucá foi flagrado tramando o abafamento da Lava Jato. Ou em novembro, quando o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, gravou as pressões que sofreu de Geddel Vieira Lima – e do próprio Temer – para liberar a construção de um empreendiamento imobiliário em área de preservação. No entanto, passado o primeiro susto, o governo golpista recupera-se, recompõe o apoio no Congresso e na mídia e prossegue em sua agenda de retrocessos. Por quê?

Há diversas causas, mas é preciso falar com clareza e coragem de uma delas. Falta esquerda no cenário brasileiro, em dois aspectos. Primeiro: não há uma narrativa clara e credível para dialogar com o imenso desgaste da política institucional, que se aprofunda a cada dia.

Para a esquerda hoje visível, a Lava Jato foi e é apenas uma conspiração para tirar as forças populares do poder. Que a operação é partidária, não há dúvidas. Mas falta dizer que ela baseia-se em fatos reais; que estes fatos têm a ver com o acomodamento da própria esquerda às práticas corruptas seculares do Estado brasileiro; e, principalmente, que a a única saída possível é uma reforma política profunda e plebeia, voltada para varrer os privilégios dos poderosos – inclusive da própria classe (ou casta) política. É duro e é doloroso, mas é indispensável, porque sem esta alternativa, a única saída será o punitivismo, a busca de bodes expiatórios – que sabemos muito bem quais são

Em segundo lugar, falta esquerda porque não há um projeto alternativo de país. O lulismo entrou em crise exatamente porque foi incapaz de propor as reformas estruturais, quando elas tornaram-se necessárias para sua própria sobrevivência. Mas, passados mais de dois anos do desastroso ajuste fiscal de Dilma, que se aprendeu com ele? Que propostas surgiram, na esquerda, para uma Reforma Tributária redistributiva, uma Educação transformadora em sintonia com as lutas dos secundaristas, uma Reforma Urbana que garanta o Direito à Cidade para todos, a mudança da matriz energica, em direção a fontes limpas, o resgate do transporte público, uma política de Segurança Pública cidadã e tantos outros temas?

Na política e no imaginário social, não há espaços vazios. A crise do país se aprofunda; cresce a suspeita de que há um grande acordão para blindar a classe política. Se não surge uma saída ligada à ampliação da democracia e à Justiça Social, é inevitável que as maiorias busquem a saída na violência, na discriminação, no ódio.

Temer sabe disso. Por isso, mesmo acossado, propôs ontem a mobilização das Forças Armadas para enfrentar “qualquer tipo de desordem”. A direita troglodita também sabe. Ainda ontem, o MBL começou a convocar uma grande manifestação “contra a corrupção” para 26 de março. E o Globo dá hoje enorme espaço ao ultra-conservador Marco Antonio Villa para que este diga que “Brasília dá as costas ao povo” e “é preciso voltar às ruas” – inclusive contra Temer.

Os retrocessos dos últimos meses foram tão profundos que alguns chegam a pensar: o avanço da direita é inevitável. Nada mais falso. Os fatos demonstram: há espaço para construir uma alternativa. Dificilmente virá da esquerda institucional. Mas e os novos movimentos, a nova cultura política que se gesta há anos no mundo todo e também no Brasil?

Vamos tentar ocupar este espaço? Ou nos entregaremos à lamentação e à crítica às misérias dos outros – o que é sempre tentador, porque muito mais fácil e cômodo?

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4 comentários para "A crise do governo e a ausência da esquerda"

  1. lucas disse:

    essa crise do governo parece que não vai ter fim, gostei do artigo

  2. Desiree disse:

    Muito bom artigo. Esclarece muita coisa obrigado !!!

  3. Ótimo Artigo muito bom. Bastante esclarecedor muito obrigadaaa !!!

  4. Mario disse:

    A “esquerda” esta preocupada em “discutir” coisas (ou se matar por coisas) como lugar de fala, apropriação cultural, e uma série de outros chavões, enquanto o governo se desfaz e a extrema direita estúpida, reacionária, retrógrada vai só levando o país para onde quer. A esquerda emburreceu. Faltam lideranças
    Que falem “calem a boca seus idiotinhas e vamos a luta contra estes usurpadores, deixem para discutir seus conceitos idiotas nas salas de aula que a na pratica a teoria é outra!”

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