Como se faz a resistência aos golpes — o de 1964 e o de agora

Metalúrgicos de Contagem-MG, na greve histórica de abril de 1968

Metalúrgicos de Contagem-MG, na greve histórica de abril de 1968

Um retrospecto histórico revela: diante de derrotas estratégicas, o que corrói a tirania não é o enfrentamento heroico direto — mas a paciente luta de multidões, por agendas muito concretas
Por Breno Altman
Também se constituiu em um processo de derrota estratégica, como agora. Derrubado o governo João Goulart, as forças progressistas deixaram de ser alternativa de poder e tiveram que reorganizar sua política.À direita e à esquerda, quem acreditou em enfrentamento direto ao novo bloco de poder, quebrou a cara.

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A oposição liberal-burguesa, parte da qual havia apoiado o golpe, ficou a ver navios com suas expectativas de eleições presidenciais já em 1965.

A primeira leva de alternativas guerrilheiras, cujo epicentro foi o movimento de Caparaó, inspirado por Brizola, em 1966, sucumbiu sem entrar em combate.

O que funcionava era a luta de massa, por agendas concretas, que paulatinamente tirava o povo da letargia e da intimidação.

Começou com a mobilização estudantil contra os excedentes (1966), em uma escalada de lutas reivindicatórias que conflui para as grandes passeatas de 1968.

Os estudantes, a partir de sua luta concreta, vertebraram o amplo sentimento de oposição que vinha se acumulando no país, arrastando a classe média para as ruas.

A politização crescia na medida em que os estudantes enfrentavam o aparato repressivo da ditadura, atraindo a solidariedade de outros setores no combate à ditadura.

A classe operária e os camponeses, muito mais reprimidos depois de 1964, travavam lutas mais tímidas, mas também em 1968 tivemos as greves de Contagem e Osasco, por plataformas econômicas, com a consciência dos trabalhadores se elevando conforme o regime militar avançava nas medidas repressivas e na negação de básicos direitos econômicos.

Houve, então, em 1968, o primeiro ciclo de embates frontais contra a ditadura, quatro anos depois do golpe, a partir de um processo de acumulação com base em batalhas concretas por direitos.

O campo popular foi novamente derrotado, tendo como desenlace o AI-5 e a configuração do regime em uma ditadura militar-fascista. A razão mais importante da nova derrota talvez tenha sido a baixa presença da classe trabalhadora naquele ciclo de mobilização.

Um setor da esquerda resolveu adotar novamente a estratégia de enfrentamento direto, sem base de massa e sem capacidade militar real, recorrendo ao método da luta armada. Heróica e exemplar, em poucos anos havia sido destroçado, com a morte de centenas de combatentes e o isolamento da guerrilha junto ao povo.

Passou-se um período duríssimo, no qual estavam no chão a velha esquerda, atropelada em 1964, e a nova esquerda, armada, que já não sobrevivia em 1973.

Mais uma vez foram as lutas de massa setoriais que permitiram a reorganização da resistência.

Reivindicações estudantis e operárias começavam a brotar, arrastando a simpatia popular.

Também as batalhas institucionais começaram a dar frutos. Mesmo controladas, as eleições de 1974 e 1978 representaram derrotas do partido da ditadura, com o povo insatisfeito pela crise econômica vigente após 1973.

Esse movimento reivindicativo foi crescendo e se unificando.

As jornadas estudantis de 1977 foram o primeiro ensaio de mobilização unitária contra a ditadura, após 1968, estimuladas por uma onda de prisão contra militantes nos primeiros meses daquele ano.

Mas estas só foram possíveis porque as faculdades e escolas já viviam forte efervescência por agendas concretas.

A partir de 1978, ao contrário do que ocorrera dez anos antes, a classe operária entra em cena, a partir da greve da Scania, em São Bernardo.

O movimento se alastra. A reivindicação não era política, mas econômica: reposição de perdas salariais.

Logo chegaríamos às greves gerais dos metalúrgicos do ABC.

Progressivamente os trabalhadores e as camadas médias, entre os quais muitos cidadãos tinham apoiado a ditadura em algum momento, começaram a se dar conta que o centro de seus problemas e das dificuldades do país era a existência do regime militar.

O surgimento do PT, da CUT e do MST são produtos dessa atmosfera. Bem como a reconstrução da UNE e da UBES, entre outras entidades.

O ápice desse ciclo foi a campanha das diretas já, entre 1983 e 1984. O acúmulo de forças, então, de consciência e organização, tornara possível um movimento unitário com objetivo claramente antiditatorial.

A ditadura estava com os dias contados. O resto da história até os mais jovens conhecem.

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4 comentários para "Como se faz a resistência aos golpes — o de 1964 e o de agora"

  1. Aparecida Souza disse:

    Concordo em muitos aspectos com sua análise, principalmente porque além da necessária crítica às estratégias da esquerda clássica brasileira no contexto da ditadura, você aponta uma perspectiva de luta elaborada no complexo terreno das organização popular. O exemplo das greves de 68 e da longa e difícil trajetória de organização dos operários e das classes populares ao longo dos anos 70, é fundamental para entendermos a necessidade de termos paciência e reconhecermos a importância de pautas concretas para promover a luta social. Certamente o contexto que estamos vivendo recoloca este passado sob novo enfoque. É certo porém, que nos falta ainda fazer uma balanço dos desdobramentos das lutas de dos trabalhadores no final da década de 1970. Mas, estou certa de que qualquer caminho de superação desta conjuntura deve e precisa estar apoiado nas classes populares e suas formas genuínas de luta.

  2. mercedes merry brito disse:

    Análise arguta e de muito valor. principalmente para leitura da militância de esquerda que em alguns momentos esmurece de seu fazer cotidiano e combativo. Agora é hora de apoio aos pequenos, aos meninos e meninas ocupando as escolas, crianças valentes que surpreendem e emocionam.. Fazem pensar que o trabalho de base em algum lugar reverberou. Avante companheiros. A luta continua!

  3. Luiz Amaral disse:

    Com nossa mobiliza;ao e a santa Internet ajudando este golpe vai durar menos, a ditadura brasileira durou tempo demais.

  4. Paulo Cardoso disse:

    Em média a cada 40 anos, desde 1889, eclode uma “revolução” brasileira.
    Esse período de tempo permite à aristocracia “gastar” o que ganhou a classe trabalhadora por ela. Ao findarem seus recursos, obriga-se a classe que somente gasta, a dar espaço para os trabalhadores reporem seu esbanjamento.
    Os verdadeiros escravos de sua preguiça abrem então espaço para o mau cheiro do suor dos produtores de riqueza.
    Prevejo a década de 2050 para essa retomada, obedecido o ciclo acima, exceto se os gastões, agora em maior número, sumirem mais cedo com os ganhos.

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