Tarifa zero: Haddad evoca fantasmas da direita

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Olhar mais atento à planilha de custos desmente conta que prefeito usa para desqualificar movimento. Se quer cidade aberta, como a av. Paulista, deveria ter se empenhado no transporte coletivo livre

Por Mauro Lopes, editor do blog Caminho Para Casa

Uma das estratégias mais usadas pela direita para vetar direitos sociais é alardear números tão enormes que as pessoas ficam paralisadas. Milhões! Bilhões! Trilhões! Com este grito, como o pobre cidadão poderá se contrapor? É tanto dinheiro que nem conseguimos mensurar, ter ideia de sua grandeza real e relativa. Foi assim, por exemplo, quando os trabalhadores arrancaram o 13º salário em 1962. O presidente era João Goulart e a direita enlouqueceu dizendo que as empresas iam quebrar uma atrás da outra. A manchete de O Globo na época foi: “Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário”. Hoje a gente ri disso, mas na época foi uma pedreira. Com o Bolsa Família não foi diferente, lembram-se?

Pois agora o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad resolveu tomar emprestada a tática da direita para vetar a discussão sobre a Tarifa Zero. Hadadd fez mais que isso: resolveu aliar-se ao governador neofascista Geraldo Alckmin na questão dos aumentos dos transportes, tem sido conivente com a repressão criminosa ao Movimento Passe Livre e às manifestações de rua e, se não bastasse, partiu para ridicularizar um movimento social. Para desqualificar o direito social reivindicado, ele afirmou recentemente numa agressão sem precedentes aos movimentos sociais partida de alguém de esquerda: “Tem tanta coisa que podia vir na frente, podia ser almoço grátis, jantar grátis, ida pra Disney grátis.” – veja aqui a entrevista.

Qual o fantasma que Haddad agita, ao estilo da direita, para tentar bloquear o diálogo sobre o direito à mobilidade urbana? R$ 8 bilhões – veja aqui. O prefeito diz que esse seria o custo para implantar a tarifa zero.  Para bloquear o debate de vez ele lança quase que uma ameaça à cidade: seria necessário colocar todo o dinheiro do IPTU para bancar a “farra” (é mais ou menos isso que ele considera o passe livre, uma farra, uma viagem pra Disney). Quem, em sã consciência, considera que dá pra pegar todo o dinheiro do IPTU e “torrar” na tarifa zero? Essa é a farsa da racionalidade que a direita sempre usou para agitar seus fantasmas.

Mas é isso mesmo. Os tais $ 8 bi são uma farsa.

Vejamos.

Em primeiro lugar, este número de $ 8 bilhões de subsídio, que segundo o prefeito é o custo anual do transporte. Creio que não dá pra começar a conversa assim. Vamos usar números consolidados da Prefeitura, pois senão ficamos sujeitos a números-coelho que saem da cartola a qualquer tempo. O custo total do transporte coletivo municipal de São Paulo, segundo as planilhas da Prefeitura que serviram de base para a tarifa de R$ 3,50 foi de R$ 7,17 bilhões (clique em Tarifa R$ 3,50 no link aqui).

Creio que esta planilha, que consolida os dados do sistema é o que há de mais confiável para abrir um diálogo efetivo, que objetive encontrar soluções e não impasses.

Desse total, as empresas enviam à SPTrans anualmente R$ 873 milhões – este montante, portanto, sai do custo a ser subsidiado pois já está pago.

O custo cai para R$ 6,3 bilhões

Se observarmos na linha “outras fontes” do sistema, que inclui multas de trânsito, publicidade e outras, veremos que o montante é de R$ 147 milhões. Ora, só em 2014 a Prefeitura arrecadou R$ 899 milhões em multas de trânsito! Não parece razoável que esta arrecadação fique no sistema de transporte? Vamos dizer que 80% dela seja destinada ao sistema. Estas “outras fontes” poderiam subir para algo como R$ 1 bilhão.

O custo cai para R$ 5,3 bilhões

O lucro das empresas de ônibus é da ordem de R$ 645 milhões anuais, segundo a mesma planilha. Não é razoável pensar numa redução desta margem? Em 1/3? Seriam R$ 215 milhões anuais a menos para o bolso dos empresários.

O custo cai para R$ 5,08 bilhões.

Mas há mais. Segundo o professor Paulo Sandroni, presidente da CMTC na gestão de Luiza Erundina e um dos articuladores da proposta de Tarifa Zero à época, “o custo das estruturas necessárias para cobrar as tarifas de ônibus – cobrador, sistema de recarregamento de bilhetes e etc. – corresponde a algo entre 20% e 22% do total, por exemplo, então se você acaba com a cobrança já tem uma redução de custo que não está sendo considerada (pelo prefeito)” – veja reportagem sobre o tema aqui.

Ora, o custo das empresas com funcionários, combustível, renovação da frota, manutenção, despesas administrativas e outras alcança R$ 4,7 bilhões. Com 22% de economia alcançaríamos R$ 1 bilhão.

O custo do sistema cai para R$ 4,05 bilhões.

Vamos considerar as gratuidades da época da planilha (R$ 1,18 bilhão) posto que o recurso já está incorporado ao orçamento municipal.

O custo cai para R$ 2,87bilhões.

Pronto. Um exercício simples, feito por um leigo. O que eram fantasmagóricos R$ 8 bilhões reduziram-se a R$ 2,87 bilhões. Não é pouco. Mas é evidentemente possível. Aqui não estão consideradas alternativas como implantação de pedágio urbano para carros, aumento do IPTU para os muito ricos da cidade, repasses, outras economias, aumento de contribuição das empresas no sistema do vale transporte…

Há um rico universo de possibilidades. O tema da mobilidade urbana é central em São Paulo e em todas as metrópoles do planeta. Haddad tomou algumas iniciativas, como a implantação das ciclovias e expansão das gratuidades.

A abertura da Paulista às pessoas aos domingos é outra iniciativa bonita de Haddad – mas que fica restrita à classe média se não houver tarifa zero: uma conta simples demonstra que se três amigxs resolverem deslocar-se da Zona Leste para a Paulista num domingo tomando dois ônibus na ida e na volta gastariam, pela tarifa atual, R$ 45,60. Quem pode pagar?

Tarifa zero é uma cidade aberta às pessoas. O oposto da tarifa zero é a cidade fechada às pessoas e aberta às máquinas e aos que têm dinheiro – não é à toa que José Serra e a direita são opositores viscerais da abertura da Paulista e das ciclovias.  

Qual a razão de Hadadd não haver convocado um comitê que deveria estar trabalhando desde 2013 a encontrar soluções para a tarifa zero? Tanta gente boa e conhecedora do assunto: Paulo Sandroni, Lúcio Gregori, Raquel Rolnik, funcionários da Prefeitura, o pessoal do MPL e de outros movimentos sociais. Colocar essa gente toda em volta da mesa teria feito São Paulo encontrar boa luz. É isso que a rua pede. Mas o prefeito não escuta.

Hadadd perde, com sua estratégia midiática de agitar o fantasma dos R$ 8 bi gracejos de direita; assim como a cidade perde. Perdem sobretudo os pobres, que arcam com a conta do transporte.

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10 comentários para "Tarifa zero: Haddad evoca fantasmas da direita"

  1. Marcelo disse:

    Não perguntei pra vc, perguntei pro autor do post heheh

  2. Anders Bateva disse:

    O que você acha que se faz com cobradores que não cobram nada pois não há mais necessidade de cobrar?

  3. Anders Bateva disse:

    “as empresas enviam à SPTrans anualmente R$ 873 milhões”
    Como assim? De onde vem esse dinheiro?

  4. Elisa Dias disse:

    Muito fácil fazer essa conta no sofá da sala, Sr. Mauro Lopes! Uma coisa que esse prefeito não usa é hipocrisia. Mas, quem sabe, você senta com ele e vê se está certo. Muito cômodo sentar na frente do computador e subtrair valores aleatórios, considerando fatores sem ter o conhecimento administrativo. Essa matéria irrefletida e irresponsável turva o trabalho cristalino que Antônio Martins tem realizado no Outras Palavras, um trabalho respeitável e elogiável.

  5. Sabe o que indigna, é saber que o país tem tudo para ser uma nação lindamente rica e prospera em qualidade para o povo mas o que estraga é a política e a má administração é revoltante isso.

  6. Marcelo disse:

    Impressão minha ou vc tá contando com a demissão dos cobradores pra fechar essa conta?

  7. Assis disse:

    Os Pobres subsidiam os Ricos
    Falamos muito que no Brasil os Ricos pagam menos impostos que os Pobres, abaixo segue um pequeno texto explicativo, mostrando que a proposta do MPL aumenta este efeito nefasto do nosso país. Não é um texto que defende o Prefeito e critica o MPL, ou vice versa, é apenas uma constatação matemática.
    Na tabela abaixo colocamos uma lista de 3 salários, começando por R$ 800,00 até R$ 2.000,00. A legislação do Vale Transporte indica que a empresa deverá pagar o valor de transporte superior a 6% do percentual do salário do empregado. Então, colocamos na tabela o valor correspondente a 6% dos três salários do exemplo.
    Salário R$ 800,00 6% do salário R$ 48,00; Salário R$ 1.000,00 6%=>R$ 60,00 e Salário R$ 2.000,00 6%=>R$120,00.
    A passagem hoje é R$ 3,50, um trabalhador que pega apenas uma condução até o trabalho gastará 2 x R$ 3,50 por dia, ou seja, R$ 7,00 por dia. Então, o que pega duas conduções gastará o dobro, R$ 14,00.
    O meses têm no mínimo 20 dias úteis, que multiplicados pelo custo diário teremos R$ 140,00/mês para quem utiliza uma condução e R$ 280,00/mês para quem utiliza duas conduções.
    Desta forma, chegamos a tabela abaixo de quanto custa para o trabalhador o transporte e quanto custa para o empregador.
    Salário de R$ 800,00 trabalhador paga R$ 48,00/mês, empresa paga R$92,00 (1 condução) ou R$ 232,00 (2 conduções).
    Salário de R$ 1.000,00 trabalhador paga R$ 60,00/mês, empresa paga R$80,00 (1 condução) ou R$ 220,00 (2 conduções).
    Salário de R$ 2.000,00 trabalhador paga R$ 120,00/mês, empresa paga R$20,00 (1 condução) ou R$ 160,00 (2 conduções).
    Agora vamos aplicar a nova passagem, ou seja, R$ 3,80.
    1 condução R$ 7,60/dia e R$ 152,00/mês.
    2 conduções R$ 15,20/dia e R$ 304,00/mês.
    Assim temos a nova tabela:
    Salário de R$ 800,00 trabalhador paga R$ 48,00/mês, empresa paga R$104,00 (1 condução) ou R$ 256,00 (2 conduções).
    Salário de R$ 1.000,00 trabalhador paga R$ 60,00/mês, empresa paga R$92,00 (1 condução) ou R$ 244,00 (2 conduções).
    Salário de R$ 2.000,00 trabalhador paga R$ 120,00/mês, empresa paga R$32,00 (1 condução) ou R$ 184,00 (2 conduções).
    SIM, a parte do trabalhador não se altera, ou seja, o aumento será pago pelo empregador.
    Então, se não houver o aumento da passagem e a Prefeitura for obrigada a subsidiar a diferença, a economia dos empregadores será rateada por toda a população. Como em muitos outros casos no Brasil, mais uma vez o Pobre subsidiará o Rico.

  8. Edu Berg disse:

    O autor do post certamente nunca pegou um ônibus na vida. Não conhece o bilhete único. O valor da “conta simples” da sua ‘viagem das amigxs’ à ciclovia da Av. Paulista seria na verdade de R$22,80, e não R$45,60 (faça as contas: três cargas de R$3,80 na ida + três cargas de R$3,80 na volta = R$22,80).
    O blogueiro tentou desqualificar a prefeitura até no que foi feito de bom pela mobilidade, como é o caso da ciclovia, mas só conseguiu provar que na verdade não tem o menor conhecimento da matéria que está tratando.
    Certamente na hora de fazer sua continha dos muito mais complexo valor de “8 bilhões” foi igualmente criterioso.

  9. Edu Berg disse:

    Mas afinal quem é que paga efetivamente o valor de R$ 3,50 de tarifa de ônibus ?
    Estudantes de escolas públicas tem passe livre nos ônibus de SP.
    Estudantes de escolas particulares pagam meia.
    Pessoas de mais de 60 anos tem passe livre.
    Trabalhadores recebem vale-transporte e desconto de uma porcentagem no salário.
    Desempregados tem 3 meses de passe livre.
    Há ainda outras formas de cartões com descontos que podem ser adquiridos mensalmente.
    “Sobram” portanto adultos desempregados há mais de 3 meses, ou autônomos, que também não são estudantes e que tem menos de 60 anos. E também pessoas que tem carro mas preferem se locomover de transporte publico diariamente ou eventualmente.
    Desse fração, creio que os mais fragilizados são esses desempregados há mais de 3 meses. Os governos poderiam agir aí e garantir à essas pessoas uma outra forma de passe livre. Tipo uma cota mínima semanal para que fosse garantido à essas pessoas o direito de ir e vir na busca de um novo trabalho ou coisa do tipo.
    Curiosamente eu não vejo ninguém protestando contra o aumento da energia elétrica, da água ou do ICMS.
    Tem alguma coisa errada aí.
    (Marco St.)

  10. Rossetto disse:

    Que ridículo!
    Privatizar, desregulamentar e desburocratizar: está é a solução

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