Haddad perde outro pênalti

Ele permanece cego diante de um dos principais fenômenos contemporâneos, no universo da política

Ele permanece cego diante de um dos principais fenômenos contemporâneos, no universo da política

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Alckmin volta a posar de paladino do Estado policial. Prefeito omite-se e desperdiça oportunidade rara de cumprir um papel renovador entre a esquerda

Por Antonio Martins

Dois fatos marcantes destacaram-se ontem em São Paulo, em mais um episódio de brutalidade policial contra manifestantes pacíficos. À direita, o governo estadual deu mostras de que não tem limites, em sua tentativa de defender, diante da crise, o Estado de Segurança. É algo assustador, porque está assumindo dimensões globais, como mostra o filósofo Giorgio Agamben, numa entrevista recente. Esperou-se que Fernando Haddad cumprisse papel contrário. Em vão. Omisso diante de um episódio que atinge sua imagem em cheio, o prefeito deu a entender que não acordou nem para a crueza dos embates políticos de hoje, no Brasil, nem para algo muito mais refinado: a busca de novos projetos pós-capitalistas.

Que não restem dúvidas: só uma autorização no nível mais alto da hierarquia do Estado permitiria à PM agir de modo tão semelhante ao 13 de junho de 2013. Mas às bombas e à pancadaria deflagradas sem qualquer pretexto, somaram-se um ingrediente emblemático. A polícia interferiu de modo direto no percurso do protesto. Bloqueou o trajeto escolhido pelos manifestantes, que queriam seguir pela Avenida Rebouças – onde seriam muito menores os efeitos sobre o trânsito e os riscos de confronto. Obrigou-os a rumar para o centro da cidade, onde situa-se a prefeitura. Redobrou a selvageria à medida em que, já dispersos, eles aproximavam-se do Viaduto do Chá, onde fica o gabinete de Haddad. Que pretendia? Em 2013, em circunstâncias idênticas, foi assim que um grupo provocador ganhou força para desafiar o Movimento do Passe Livre, depredou a prefeitura e esteve a ponto de invadi-la – sempre com a conivência da PM.

Haddad parece não ver – assim como não enxergou que ao elevar o preço das passagens de ônibus comportava-se como contador, não como sujeito capaz de gerar simbologias em favor dos direitos sociais e dos serviços públicos. Por que o prefeito, normalmente arguto e antenado, não vê o óbvio? Que viseiras bloqueiam seu olhar? É espantoso: um político empenhado em construir uma imagem de cosmopolitismo e atualidade permanece cego a um dos principais fenômenos contemporâneos, no universo da esquerda – ao qual ele se diz, às vezes, orgulhoso de pertencer.

Trata-se da combinação entre movimentos anticapitalistas de base e personagens que, de alguma maneira, os representam, na esfera institucional. Ocorre, por exemplo, na Espanha, onde a onda dos Indignados (2011), produziu o partido-movimento Podemos (2014) e, mais tarde (2015) as prefeituras-cidadãs de Barcelona e Madri. Espalhou-se para a Inglaterra e Estados Unidos, onde a juventude radical foi decisiva para a eleição de Jeremy Corbyn, como líder do Partido Trabalhista, e pode fazer do socialista Bernie Sanders o candidato do Partido Democrata à Presidência. Está presente em Portugal, e que a resistência aos programa de “austeridade” da direita (“ajuste fiscal”, no Brasil de Dilma Roussef) permitiu criar um governo que inclui do Bloco de Esquerda (pós-capitalista) e Partido Comunista ao Partido Socialista e aos Verdes.

Todas estas experiências são novas, heterogêneas e, talvez, precárias. Foi sempre assim: a transformação social é obra de antropofagia, para desespero dos defensores e da pureza. Mas expressa, também decisão: capacidade de enxergar, em cada momento, o movimento necessário para a virada.

O prefeito parece indeciso. Acende uma vela ao Comum, outra ao Capital. Escolhe João Whitaker, um grande defensor do Direito à Cidade, para a secretaria de Habitação; e anuncia que vai com Fernando Henrique Cardoso à ópera. Faz auditoria reveladora sobre a máfia do transporte urbano em São Paulo; e mantém a mesma política de aumento de tarifas que sustenta os mafiosos. Mantém com Alckmin uma estranha “parceria”, em que seu papel é claramente subalterno.

Esperava-se mais de alguém que quando jovem observava, arguto, a fossilização do socialismo burocrático…

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2 comentários para "Haddad perde outro pênalti"

  1. joão galvino disse:

    Governar é muito difícil e desafiante e governar com responsabilidade histórica é mais ainda, por isso, concordo com a ideia de que o Haddad perde pênaltis e ignora a torcida. Mas como militante e credor desta gestão na cidade, pelo fato de representar o empoderamento dos espaços públicos e de planejar com um olhar de cidade para todos, tenho esperança que o prefeito faça gooools na política nacional e reeleja-se.

  2. Anders Bateva disse:

    Não estou nada surpreso, esse é o PT. PT é mais ou menos de centro. Os mais locais parecem centro-esquerda, e os federais, centro-direita. O fato é que acham que têm de agradar a todos para se manter no poder e serem justos, só que há interesses de são inconciliáveis. A nível federal o PT ignorou isso, e agora está tendo essa crise política toda, correndo risco de perder o mandato e nunca mais voltar ao poder. É questão de tempo até o PT cair por todo lado.

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