Por uma internet mais subversiva

Fevereiro de 2014: manifestantes saem às ruas na Turquia contra restrições à internet, aprovadas pelo Parlamento. Para autores do novo manifesto, é preciso enfrentar, além do autoritarismo, mercantilização da rede

Manifestantes saem às ruas na Turquia, em 2014, contra restrições à internet. Para autores do novo manifesto, é preciso enfrentar, além do autoritarismo, mercantilização da rede

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Em resposta ao Facebook, Google e plataformas precarizantes como Uber, pesquisadores e ativistas mobilizam-se para criar redes pós-capitalistas, onde se compartilhe propriedade e trabalho

Por Antonio Martins

Se você acha que o potencial democratizador e descentralizador da internet está se perdendo em banalidades (como as timelines do Facebook), ferramentas de controle (como o Google, capaz de vigiar todos os seus passos) ou plataformas que, embora favoreçam o compartilhamento, beneficiam essencialmente seus proprietários (como Uber e AirBnB), não sinta-se sozinho. Está se espalhando rapidamente pela rede o Projeto Novo Sistema.

Lançado por dois jovens pesquisadores norte-americanos (Nathan Schneider e Trebor Sholz, apresentado num manifesto que tem, entre outros endossos, o de Noam Chomsky, ele sustenta que as sociedades articuladas em redes estão maduras para um novo sistema social, claramente pós-capitalista. Questiona pilares centrais da ordem atual – como a propriedade privada e o trabalho assalariado. Pede esforços para desenvolvimento de sistemas de internet realmente libertadoras (visando um Cooperativismo de Plataforma). Acredita que é possível começar a construí-lo desde já. Mas reconhece: a tecnologia não promove as grandes mudanças sociais – para elas, é necessário consciência e mobilização de massas.

Já na abertura de seu manifesto, Schneider e Scholz relembram: as grandes tecnologias de Comunicação – rádio, TV, internet – nasceram com intenção libertadora (Bertolt Brecht acreditava nas possibilidades revolucionárias de uma radiofonia horizontal). No entanto, estas inovações são aos poucos absorvidas pela ordem social vigente. A internet vive sob intensa pressão monopolística e desfiguradora.

Não se trata apenas da espionagem onipresente, descrita por Ignacio Ramonet e praticada por agências de vigilância como a NSA. A criação de novos sistemas tornou-se complexa e cara. Esta tarefa está relegada, nas condições atuais, ao mercado: não há esforço público comparável ao necessário para criar e desenvolver algo como o Google ou mesmo o Uber. Mas o trabalho é sugado, então, pela lógica do lucro. As empresas e indivíduos endinheirados, que investem na criação de plataformas, não estão interessados no bem comum ou na emancipação do ser humano. Querem retorno, na forma de lucro rápido. Surgem sistemas ambíguos (como o Uber e o AirBnB) ou socialmente desagregadores (como o TaskRabbit, cuja finalidade essencial é contratar trabalhadores sem proteção laboral).

Para romper este círculo de ferro, dizem Shneider e Sholz, é preciso mobilização social. Antes de tudo, é hora de mostrar que as potencialidades da rede exigem uma nova economia. Que, num mundo conectado, o próprio conceito de propriedade privada está se tornando obsoleto. Que é possível, de fato, estabelecer formas muito mais flexíveis de trabalho (em período parcial, intermitente, em horários alternativos) – porém, que esta mudança pode ser feita distribuindo a riqueza e assegurando a todos uma vida digna (lembre-se da ideia de uma Renda da Cidadania para todos).

O manifesto frisa que não partimos do zero: estas ideias estavam presentes no início da internet – e sistemas baseados em lógicas pós capitalistas existem e avançam. A Wikipedia – o mais conhecido – tornou possível um compartilhamento de saberes jamais imaginado antes da rede. As comunidades de software livre, baseadas no princípio da colaboração, estão vivas. Além disso, há iniciativas frescas, como o Stocksy, um banco de imagens gerido autonomamente por fotógrafos; o Resonate, em que músicos disponibilizam sua produção online; o Loconomics (em construção) que permite compartilhar trabalho em lógica não-capitalista; o http://www.timesfree.co/, por meio do qual famílias revezam-se no cuidado das crianças pequenas. Surgem inclusive, em todo o mundo, cooperativas especializadas em desenvolver tais sistemas – como Backfeed, Swarm, Consensys ou, no Brasil, Noosfero.

Porém, como fortalecer e difundir estas iniciativas – como evitar que fiquem à margem, numa internet dominada por mastodontes e submetida à vigilância? O manifesto lembra, felizmente, que o decisivo é a mobilização social. Recursos públicos são necessários para reunir grandes grupos de programadores e produzir plataformas robustas, eficazes, atraentes. A luta para assegurá-los será sempre política. Um dos documentos no site criado por Schneider e Sholz sustenta: mudança de sistema exige organização das sociedades.

Em 13 e 14 de novembro, nos EUA, uma série de diálogos debateu caminhos para a mobilização por uma nova internet. Teve caráter amplo. Participaram desde criadores de novas plataformas até trabalhadores (como os do Walmart) que estão empenhados na constituição de um novo sindicalismo, em rede (e têm alcançado vitórias).

Quais caminhos concretos para livrar a internet do que parece ser hoje a tendência predominante, e resgatar seu caráter rebelde de compartilhamento, decentralização , possível democracia radical? O esforço de Schneider e Sholz não se desenvolveu a ponto de oferecer uma resposta. Construí-la exigirá, certamente, esforço de mais gente – inclusive o seu… Mas a convocatória do encontro de novembro poderia servir de estímulo para uma das tarefas centrais que enfrentaremos, nos anos turbulentos que virão, os que lutamos por outro mundo possível. “Queremos ampliar o coro crescente que pede controle real das sociedades sobre os sistemas que determinam a forma de nossas vidas. É hora de colocar na rede uma nova Economia da Solidariedade”…

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9 comentários para "Por uma internet mais subversiva"

  1. Legal, obrigado aos idealizadores do Blog da Redação.

  2. Olá, meu nome é Vanísio. Muito legal, parabéns ao idealizadores de blog da redação.

  3. euclides de oliveira pinto neto disse:

    A internet foi introduzida e ampliada pelos USA, e toda comunicação usando este veículo passa pelo território norte-americano, sujeita aos controles que podem ser impostos, privacidade ou interesse político.
    Será necessário a implementação de uma nova rede de comunicações para implantar uma nova internet, com total autonomia, sem possibilidade de quebra de sigilo, acessível a todas as nações, não sujeita aos ditames de Google e do Facebook – empresas ligadas aos sistemas de espionagem norte-americanos.

  4. Carlos disse:

    Interessante.

  5. Sueli disse:

    Interessante.

  6. Felipe disse:

    Opa, tudo bem? Parabéns pelo post e pelo site! 🙂

  7. Rafael Zanatta disse:

    Excelente texto, Antonio. Eu acompanhei o seminário “Platform Cooperativism” online, em novembro do ano passado, e fiquei impressionado com o desejo de mudança capitaneado pelo Trebor Scholz na New School.
    É interessante que os manifestos ainda estão acontecendo de forma desarticulada. O David Bollier coordena um movimento para transição dos comuns nos EUA, o Michel Bauwens trabalha nos mesmos termos na P2P Foundation, assim como os italianos que estão projetando a agenda de “beni comuni” para as economias digitais. O “The Next System” é mais um esforço – de peso – para repensarmos, em conjunto, quais as possibilidades para o futuro.
    Acho esse discurso fascinante, pois ele envolve repensar arquiteturas institucionais e conceitos jurídicos clássicos, como propriedade. É impossível separar direito de economia política, como já alertava o Mangabeira Unger em 1987 em “Politics”.
    Por fim, também me fascina o descolamento total da agenda de “economia solidária” no Brasil com as economias digitais e as plataformas P2P. Esse diagnóstico não é só meu. Em uma conversa com o Ricardo Abramovay, ele também me disse que a velha guarda da ES não debate economia do compartilhamento e não acompanha as discussões estadunidenses e europeias.
    Ou seja, o trabalho está com a gente.

  8. celso luiz viola disse:

    realmente a internet virou mais um meio de midia dominada por corporações e ainda muito para ser explorada como tal. Mas perdeu seu sentido original certamente. Eu apenas mudaria o nome de subversiva e chamaria esta “nova fase” de internet ANARQUISTA, acabando de vez com a ideia de ordem dominada por corporações e livre sem dominios e propriedades especificas.

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