Desenvolvimento Sustentável, entre intenções e gestos

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Conferência Internacional do Financiamento para o Desenvolvimento (FpD3), em Adis Abeba, Eitópia. Encontro não foi capaz de definir mecanismos para reduzir inequidades, enfrentar poder financeiro ou apontar fontes para viabilizar os “ODS”

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Acordo da ONU prevê erradicar pobreza e alterar padrões de produção e consumo. Mas não estabelece meios para financiar mudança, nem fala em enfrentar perversidades do sistema

Por Alessandra Nilo

Enquanto no Brasil estamos às voltas com crises econômicas e políticas e a falta de ética que constrange o país, e nos noticiários internacionais circulam manchetes sobre a Grécia ou o acordo americano com o Irã, na Organização das Nações Unidas (ONU) entra na reta final uma negociação histórica para solucionar alguns dos grandes problemas do mundo, inclusive com mandato de erradicação da pobreza: a dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituirão, a partir de 2016, as Metas do Milênio.

Desde a Conferência da Rio+20, em 2012, iniciou-se a negociação intergovernamental dos ODS que, com 17 Objetivos e 169 metas, se tudo correr bem será concluída em 31 de Julho e aprovada na 70ª Assembleia Geral da ONU, em setembro. O acordo já é considerado um marco para a diplomacia global, por ter forçado o debate sobre o que significa desenvolver-se de forma sustentável, interligando relações dos campos econômico, social e ambiental, e por afirmar, de forma ambiciosa, que já não é suficiente erradicar a pobreza e precisamos, de uma vez por todas, diminuir desigualdades e mudar os padrões de produção e consumo globais.

Sem dúvida a Agenda Pós-2015, mesmo pouco acompanhada pela mídia, teria tudo para se transformar no compromisso multilateral mais revolucionário dos últimos tempos, não fosse o fato de que esbarra na questão essencial – e ainda sem resposta – sobre quem pagará sua conta. Por isso, mesmo sabendo que os novos objetivos e metas estão praticamente acordados, falta bater o martelo, nesta última rodada de debates, sobre como, quem e de que forma essa agenda, que inclui tantos e tão complexos temas, será de fato implementada até 2030.

Para responder a estas questões, desde o ano passado os capítulos sobre o “Meios de Implementação e Seguimento” foram mantidos em suspense, na expectativa do resultado da terceira Conferência Internacional do Financiamento para o Desenvolvimento (FpD3), realizada entre 13 e 16 de julho na Etiópia, que tinha entre seus objetivos indicar o caminho do financiamento dos ODS. E sim, fazia muito sentido convergir os processos, já que ambos tratavam do futuro do desenvolvimento.

Mas a Agenda de Ação de Adis Abeba, resultante da FpD3, não acordou, como esperado, mecanismos para reduzir as inequidades das relações assimétricas de poder financeiro, e muito menos apontou fontes adicionais para financiar os ODS. Depois de muita tensão, conseguiu-se apenas renovar o compromisso de que 0,7% do PIB dos países desenvolvidos serão usados para Assistência Oficial ao Desenvolvimento (OAD, na sigla em inglês), acordo de 1969 e hoje cumprido por apenas cinco deles: Noruega, Suécia, Luxemburgo, Dinamarca e Reino Unido.

Adis tampouco tratou da regulação do sistema financeiro, ignorando o caráter globalizado dos mercados de capital, negando a necessidade de democratização da governança de instituições como o Banco Mundial e o FMI, cujas políticas ortodoxas baseadas em mitos econômicos obsoletos têm escalpelado, em série, países em todo o mundo. Assim, ao que parece, a conta do desenvolvimento continuará a ser paga via apropriação tributária e endividamento dos Estados, com recursos executados por parcerias público-privadas que, por sua vez, continuarão sem mecanismos que alinhem o setor privado, incluindo as corporações transnacionais, aos direitos humanos e ambientais, às regras da OIT ou às políticas de gênero. A equalização da questão do financiamento dos ODS é, portanto, o elefante na sala da ONU no momento.

A queda de braço entre Norte e Sul continua, frente à clara a necessidade de encontrar recursos previsíveis e adicionais às fontes filantrópicas oficiais. Estima-se que a agenda pós-2015 custará cerca de US$ 6 trilhões /ano. Se a OAD arrecadou US$134 bilhões em 2013 e o mercado global de câmbio movimenta US$4 trilhões/dia, a alternativa óbvia seria regular melhor o sistema financeiro, o que, além de gerar os recursos necessários, garantiria transparência. Mas esta carta, por enquanto, foi eliminada do baralho.

Assim, aguardamos as propostas da diplomacia nos próximos dias, pois, sem mudanças nas regras do jogo financeiro e sem mexer em questões estruturais da economia, a implementação dos ODS será uma missão quase impossível para os países pobres ou em desenvolvimento. A equação é até fácil de entender. O problema é que a conta, no momento, não fecha.

Alessandra Nilo, obervadora da sociedade civil nas negociações dos ODS na ONU, é coordenadora geral da Gestos (Soropositividade, Comunicação e Gênero) e diretora da ABONG-PE

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