Sete provocações de Eduardo Galeano

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Sobre divórcio entre alma e corpo; Escola & Mulheres; os nomes de “amigo”; o papel da arte; Salvador Allende; o terror da liberdade; e o que somos, afinal

Seleção e tradução: Antonio Martins

Celebração das bodas entre a razão e o coração:

Para que alguém escreve, se não para juntar seus pedaços? Desde que entramos na escola ou na igreja, a educação nos esquarteja: nos ensina a divorciar alma e corpo, razão e coração.

Sábios doutores de Ética e Moral hão de ser os pescadores da costa colombiana, que inventaram a palavra “sentipensante”, para definir a linguagem que diz a verdade.

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A Cultura do Terror / 3

Sobre uma menina exemplar:

“Uma menina brinca com bonecas, e ralha com elas para que fiquem quietas. Ela também parece uma boneca, por linda e boa que é, e porque a ninguém incomoda”

(do livro “Adelante”, de J. H. Figueira, que foi texto didático nas escolas do Uruguai até há poucos anos)

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Celebração da amizade:

Nos subúrbios de Havana, chamam o amigo de “mi tierra”, ou “mi sangre”.

Em Caracas, o amigo é “mi pana”, ou “mi llave”: “pana” de “panaderia”, a fonte de bom pão para as fomes de alma. E “llave” por…

— “Chave” por “chave”, me diz Mário Benedetti.

E me conta que quando vivia em Buenos Aires, nos tempos de terror, levava cinco chaves alheias em seu chaveiro: cinco chaves, de cinco casas, de cinco amigos: as chaves que o salvaram

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O papel da arte:

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que o descobrisse.

Viajaram ao Sul.

Ele, o mar, estava além de altas montanhas, esperando. Quando o menino e seu pai alcançaram finalmente aqueles picos de areia, depois de muito caminhar, o mar explodiu entre seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de tanta beleza.

E quando por fim conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu a seu pai:

— Me ajuda a olhar

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Te dou minha palavra

Em 1970, Salvador Allende ganhou as eleições e se consagrou presidente do Chile. E disse:

– Vou nacionalizar o cobre.

– Daqui, não saio vivo.

E cumpriu sua palavra

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Janela sobre o medo:

Uma manhã, nos deram de presente um coelhinho da Índia. Chegou em casa enjaulado. Ao meio dia, abri a porta da gaiola.

Cheguei em casa ao anoitecer e o encontrei tal como o havia deixado: gaiola adentro, colado aos arames, tremendo de susto de liberdade.

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Ao fim e ao cabo, somos o que fazemos para mudar o que somos

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