Na periferia, o nome da Arte é Liberdade

Intervenção do projeto Imargem, que articula arte, defesa do meio ambiente e convivência para  enfrentar isolamento das comunidades às margens da Represa Billings, região do Grajaú, São Paulo

Intervenção do projeto Imargem, que articula arte, defesa do meio ambiente e convivência para enfrentar isolamento das comunidades às margens da Represa Billings, S.Paulo

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Em São Paulo, Virada do Extremo Sul destaca papel da Cultura na lenta reconquista do espaço público, sequestrado durante décadas por medo, violência e preconceito

Por Joseh Silva

Como parte da cobertura compartilhada da Virada Sustentável 2014, o jornalista Joseh Silva analisa e coloca em debate a ocupação do espaço público a partir das bordas. Na quebrada, a ideia de direito à cidade é outra: significa, também, enfraquecer a cultura do medo. Pontos de resistência e formação surgem a partir dos saraus, coletivos de comunicação e cultura, movimentos espontâneos e organizados.

Em ambiente de opressão policial e violência, enfrentando o discurso segundo o qual quem está na rua procura problema, agentes marginais de transformação enfrentam a dispersão e se apropriam da rua como espaço de fazer política, conviver e existir.

No centro do debate e luta pelo direito à cidade, Joseh nos redireciona o olhar e nos faz a pergunta: para qual cidade estamos olhando? 

Na periferia, a rua é um ambiente que transita entre o perigoso e acolhedor. Se trata de um lugar de abandono e acolhimento. Para muitos, na periferia, a rua tem conotação de violência. “’Menino a rua é perigosa’, gritava minha mãe quando eu pretendia ir para a rua à noite”, é o que diz Marcelo Paz, 22 anos, morador do Jardim Campo de Fora, região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

A violência histórica que a periferia sofre difunde e valida o medo entre seus moradores. Medo que cria, em muitos bairros, uma situação de cárcere social – no qual as pessoas se privam da própria liberdade por questão de sobrevivência.

Não se trata de uma situação de vitimização, mas, na favela, ao longo dos anos se construiu a ideia que “se a pessoa está na rua à noite, é vagabundo ou está fazendo algo de errado”, discurso que a própria periferia assumiu. Enquanto quem está nas ruas em bairros onde há maior concentração de pessoas da classe média alta, como a Vila Madelena, “está se divertindo”.

Há uma situação muito clara que evidencia isso: o dilema criado em cima dos pancadões que aconteciam em ruas da periferia. O Pancadão, nada mais é que um carro, ou alguns, com som ligado em alto volume, mas o ritmo que está tocando é funk estilo carioca. Ritmo ridicularizado por ser música de favela.

Nesses lugares, quando o efetivo da Polícia Militar é enviado para dispersão dos jovens que ocupam o espaço público para se divertir — sendo que quem deveria intervir é a Guarda Civil Metropolitana, Prefeitura e equipe do Programa de Silêncio Urbano (PSIU)   –, bomba de gás lacrimogênio, spray de pimenta, bala de borracha, cassetete e opressão tomam conta do ambiente.

É por essa forma de tratamento repressivo que a periferia tem medo de frequentar, conviver o ambiente mais comum de uso coletivo – a rua. O que não é um preocupação em algumas bairros de classe média.

Durante os jogos da copa do mundo, a Vila Madalena foi tomada por estrangeiros. Causaram muitos problemas para a região, que não estava preparada para receber aquela quantidade de gente. Durante as confusões, causadas pela não dispersão dos torcedores — que queriam permanecer na rua –, policiais educadamente declamavam em seus megafones: “retirem-se, por gentileza”. O caso somente tomou os rumos de repressão aos 45 do segundo tempo. No centro, o estado opressor é exceção.

Com muita persistência, alguns coletivos, indivíduos e organizações estão conseguindo dar outro sentido para a rua — ressignificando este espaço. Por conta da contínua efervescência da cultura periférica, diversos grupos que atuam com linguagens artísticas estão mostrando seu trabalho de forma aberta para todos – e em algumas casos de graça.

Desde 2009, Anderson Verdiano Agostinho, 33 anos, organiza com amigos uma roda de leitura e exibição de filme em uma viela no Jardim Ibirapuera,  zona sul de São Paulo. O Imargem, coletivo atuante no extremo sul de São Paulo (Grajaú e Parelheiros) desenvolve trabalhos de artes visuais e diversidade voltados para o meio ambiente, já que a região é área de manancial. No dia 21 de junho deste ano, por exemplo, aconteceu na Cohab Adventista, centro do Capão Redondo, o Festival Percurso de economia solidária e cultura. Os exemplos não acabam, assim como não acabam as ações na quebrada, que apesar do plantio da repressão, assassinatos e ausência de políticas públicas, mostram que a periferia está colhendo bons frutos e fazendo seu trabalho de base.

Em agosto, o movimento Imargem participará da Virada Sustentável e, dentro dela, da Virada Sustentável no extremo Sul – do Grajaú a aldeia Tenondé Porã. Veja a programação aqui.

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