Será possível consumir sem alienar-se?

 

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Novo aplicativo permite desvendar, pelo código de barras, práticas antiéticas que empresas tentam esconder. Ferramenta já é usada para boicotes — por exemplo, contra produtos israelenses

Por Gabriela Leite

Imagine-se entrando em um supermercado para comprar uma garrafa de cerveja. Chegando lá, além de escolher pelo preço ou pelo sabor, você também pode analisar. Rejeita a marca que desrespeita os direitos dos trabalhadores. Evita aquela que faz publicidade machista. Por fim, escolhe a que utiliza ingredientes orgânicos. Na prateleira de cosméticos, pula os que ainda fazem testes em animais. Assusta-se ao perceber que uma das marcas faz parte de multinacional de alimentos. Finalmente, escolhe o creme hidratante da empresa que usa energia renovável.

Essa é a ideia do aplicativo Buycott (um trocadilho de “buy” — comprar, em inglês — com “boycott” — boicote). Criado por Darcy Burner, uma ex-desenvolvedora norte-americana da Microsoft, o programa para celulares ligados à internet baseia-se numa ferramenta do próprio capitalismo: o código de barras… Estimula os usuários escaneá-los, com o próprio telefone. E, ao identificar cada produto, associa seu fabricante a um banco de dados que pode tornar-se cada vez mais completo. Oferece todas as informações disponíveis: desde se o produto utiliza químicos cancerígenos até se a empresa apoia o direito dos transexuais.

O software é participativo. As classificações dos produtos são chamadas de campanhas, e podem ser criadas por qualquer usuário, dentro de algumas categorias. Algumas delas: direitos dos animais, justiça econômica, meio ambiente, comida, direitos humanos, direitos das mulheres. O usuário escolhe participar das campanhas que quiser e, em seguida, pode passar a escolher um produto de acordo com seus princípios pessoais.

No Brasil, ainda é bastante difícil achar produtos que estejam em listas. Isso pode ser rapidamente alterado. Depende apenas de que usuários da internet comecem a registrar produtos e criar campanhas. Isso permitiria diversos tipos de boicote: contra empresas que financiam certos políticos; contra uma indústria que esteja na lista do trabalho escravo; ou alguma marca cujo presidente mostrou-se contra os direitos das mulheres, por exemplo. Para testar, escaneamos o código de barras de dois produtos. O primeiro foi uma câmera Canon. Sobre ela, o aplicativo avisou: “você apoia esta marca por responsabilidade ecológica”, e mostrou que a marca está na lista positiva de “Energia limpa e renovável”. Acessamos seu site e vimos que realmente há uma campanha de reciclagem de toners de suas impressoras, por exemplo.

140807-boicote01Já no momento em que fotografamos o código de barras de um cosmético da L’Oreal, o Boycott advertiu: “evite este produto”. Em seguida, explica: a marca faz parte do conglomerado da Nestlé. Por isso, está na lista suja de uma campanha de boicote à multinacional. O movimento adverte que o presidente da empresa, Peter Brabeck-Latmathe, já afirmou que “o acesso à água não é um direito humano”, e sua a indústria rouba a água potável de uma pequena comunidade no Paquistão, deixando seus habitantes passarem sede.

A L’Oreal ainda pertence a outra campanha: a “Long live Palestine, boycott Israel” (“longa vida à Palestina, boicote Israel”). Esta é uma das de mais sucesso nas últimas semanas, como afirma a página de trends do aplicativo — já tem 230 mil seguidores. “A L’Oreal estabeleceu Israel como seu centro comercial no Oriente Médio e aumentou o investimento e atividades manufatureiras”, alerta. Se acreditar que deve haver um boicote econômico a Israel, após o massacre na faixa de Gaza das últimas semanas, o consumidor pode escolher não comprar a marca. Se fizesse isso sozinho, sua ação não seria nem levemente sentida pela marca de cosméticos. Mas, em rede, essa atitude tende a crescrer consideravelmente — e, talvez, pode chegar até a incomodar a gigante Nestlé.

Por séculos, o consumo tem sido uma das bases do processo de alienação capitalista. Ao comprar algo, legitimamos e fortalecemos relações sociais que ignoramos. É como se nossos valores éticos fossem irrelevantes ou impotentes, e devêssemos consumir levando em conta apenas fatores superficiais: preço, aparência, publicidade, suposta “qualidade” do produto. Agora, parece que a tecnologia pode ser utilizada para atitudes distintas. Haverá consciência social suficiente para que elas se disseminem?

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4 comentários para "Será possível consumir sem alienar-se?"

  1. Flávio disse:

    ler e estudar profundamente sobre o conflito pra que, né? os slogans baratos estão aí, mais fácil aderir a eles e pagar de humanitário, enquanto ignoram todo o obscurantismo jihadista que já exterminou centenas de milhares no oriente médio.

  2. Thiago disse:

    Quantos livros leram sobre o conflito Israel/Palestina para libertarem-se da alienação, antes de escrever um comentário superficial como o que fizeram sobre o “massacre” na faixa de Gaza? Você sinceramente acredita que um app é capaz de substituir centenas de horas de estudo e reflexão para curar o que chama de alienação? Seu artigo reflete apenas o que é alienação. 🙂

  3. Antonio Martins disse:

    Cara Bruna, está autorizada! Abraços. Antonio Martins, editor

  4. Bruna disse:

    Olá!
    Gostaria de saber se vocês autorizam a cópia dessa matéria para eu postar no meu blog e quais são os critérios para poder copiar.
    Obrigada! 😀

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