O mito do Intrépido Capitalista Inovador

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Nenhum desenvolvimento tecnológico importante se faz sem apoio público (seu celular é exemplo). E a iniciativa privada, inova e pesquisa? Sim, sobretudo formas de manter sua própria hegemonia

Por Leonardo Gomes Nogueira, editor de Supressão dos Costumes Selvagens

Prólogo

Um jovem navega no seu iPhone. Ele mexe em sua tela touchscreen com a mesma desenvoltura com que fala:

– O Estado é ineficiente. É um obstáculo ao desenvolvimento. Não inova. E não incentiva a inovação. É um péssimo empreendedor. Não estou certo? O Estado não é um paquiderme letárgico e incompetente?

Ele indaga para o sistema operacional do seu iPhone (sua única companhia em muito tempo). O sistema operacional fêmea reconhece a sua voz prontamente. Após uma busca (velocíssima) em seu banco de dados, a voz feminina responde parafraseando Caetano Veloso:

– Como você é burro. Que coisa absurda. Isso aí que você disse é tudo burrice. Burrice.

http://www.youtube.com/watch?v=OB5zw4UVjUo

A cena anterior, se isso não ficou claro, é ficcional. Mas qualquer semelhança com a realidade NÃO é mera coincidência. Declarações do tipo são frequentes. Mas não se sustentam no mundo real. É apenas um sinal de burrice menos evidente. Ou, no caso de alguns, má-fé.

As tecnologias que tornam o iPhone o que ele é só foram possíveis graças ao financiamento estatal em pesquisas. No caso, bancadas pelo governo dos Estados Unidos.

Tela sensível ao toque (touchscreen), sistema operacional ativado por comando de voz e o GPS (Sistema de Posicionamento Global; que fornece ao aparelho celular a sua posição, por exemplo, em relação ao seu paquera). Tudo isso só foi possível por causa do suporte do Estado em pesquisas.

A Apple, a “criadora” do iPhone, aliás, só existe por causa do financiamento inicial do governo dos Estados Unidos. A grana que possibilitou os primeiros passos da companhia veio de um programa de investimento em pequenas empresas (o “Small Business Investment Company”).

O Google, que o nosso personagem burro usava enquanto conversava com a máquina, existe somente porque o governo dos EUA financiou a empreitada. A pesquisa que resultou na tecnologia que permite que a busca do site funcione foi bancada pela Fundação Nacional da Ciência (NSF, na sigla em inglês).

Esses e outros exemplos estão no livro “O Estado Empreendedor”, da economista Mariana Mazzucato. O livro foi lançado no ano passado e destroça a ideia de que a iniciativa privada seria o grande responsável por pesquisas que moldam o mundo atual e futuro e o Estado um mero parasita dos agentes privados.

http://marianamazzucato.com/

Em entrevista concedida ao programa Milênio (do canal Globo News) no ano de 2013, Mazzucato lembra que, nos EUA, três a cada quatro medicamentos com novas entidades moleculares foram criados graças ao aporte de dinheiro público nas pesquisas (por meio dos Institutos Nacionais de Saúde; NIH, na sigla em inglês).

http://www.conjur.com.br/2013-nov-01/ideias-milenio-mariana-mazzucato-economista-italo-americana

Remédios com novas entidades moleculares são os mais inovadores e revolucionários (ou seja: aqueles que tratam das doenças mais complexas). E o custo para o desenvolvimento desse tipo de fármaco é muito alto.

O curioso, diz a economista na entrevista concedida ao Milênio, é que o lucro resultante dessas inovações fica, na maioria dos casos, somente nas mãos das empresas privadas.

Poderíamos resumir dessa forma: o poder público financia pesquisas (dividindo ou, muitas vezes, pagando integralmente o custo desses estudos) e o principal beneficiário é o setor privado.

Nenhuma novidade: socializa-se o risco da pesquisa (que pode, ao final de muitos anos de trabalho, não gerar nenhum benefício) e privatiza-se o lucro (quando a pesquisa é bem sucedida, é claro).

Na mesma entrevista, Mariana Mazzucato faz algumas sugestões para que o Estado recupere, em parte, o dinheiro investido em pesquisas que tenham sucesso. A economista cita o caso da Finlândia.

A Sitra, um fundo público de inovação, amparou a Nokia em suas pesquisas na área de telecomunicações. Depois, ficou com parte do lucro da empresa para investir em diferentes estudos. Outra ideia sugerida pela economista é que o governo seja o dono das patentes dessas pesquisas e defina a maneira como se dará o seu uso.

No Brasil, a situação é parecida. A maioria das empresas que faz pesquisa de verdade, com raríssimas exceções, é (Petrobras) ou eram estatais (Embraer); ou conseguem financiamento para os seus estudos por meio de dinheiro público.

Um caso recente é o da Polaris. Empresa de São José dos Campos, no interior de São Paulo, que desenvolveu uma microturbina aeronáutica graças aos recursos do Finep (um fundo de pesquisa ligado ao governo federal).

http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/brasileiros-criam-microturbina-para-misseis

De acordo com Luis Klein, um dos diretores da Polaris, apenas cinco empresas fabricam turbinas aeronáuticas em todo o mundo. O modelo em menor escala desenvolvido pela empresa brasileira é ainda mais raro: somente uma corporação, a francesa Turbomeca, hoje dominaria essa tecnologia.

No link a seguir, pra quem tiver interesse, entrevista concedida por Klein ao repórter Marcelo Cabral. Ela foi publicada em dezembro de 2013 no site da revista Época Negócios.

http://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Empresa/noticia/2013/12/brasil-entra-para-o-clube-dos-fabricantes-de-turbinas-aereas.html

A iniciativa privada inova e pesquisa? Claro que sim. Sobretudo formas de manter a sua hegemonia.

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11 comentários para "O mito do Intrépido Capitalista Inovador"

  1. Adriano disse:

    Universidades não tem pavor algum de financiamento privado.
    Estes investimentos fogem do meio acadêmico pois não é um meio pautado pela lucratividade, e sim pelo desenvolvimento.
    Seu comentário é lamentável.

  2. Adriano disse:

    Exato, wikipedia é a piada.
    Luca, aproveita e edita lá esse trecho!

  3. Isabella Robinson disse:

    Olha, pra mim tanto faz, desde que o estado não seja gestor de nada, especialmente em se tratando do estado brasileiro. Por aqui, volta e meia temos bolsistas/pesquisadores no exterior à mingua devido à inépcia da burocracia. Tenho a mais absoluta certeza que se coubesse estado brasileiro comandar qualquer desenvolvimento de pesquisa tecnológica, a verba para que a mesma se efetivasse seria totalmente consumida pelos funcionários com indicação política e não tecnicos. Mesmo a Petrobras com certeza gasta muitas vezes mais do que o necessário pela quantidade de inúteis que mantém em seu corpo de funcionários. Pode ser que lá fora o Governo realmente seja “patrocinador” inicial de diversas empresas. Aqui no Brasil, país da “boquinha”, as universidades federais têm verdadeiro “pavor” de qualquer apoio privado à pesquisa e ficam na dependência das politicagens para conseguir verbas para desenvolver suas pesquisas. E a gente pode bem observar que um monte de cientistas brasileiros vão para o exterior por conta das verbas. Aqui, infelizmente, o estado é voraz em ocupar cargos e vagas com seus indicados políticos e pouco sobra de fato para a pesquisa. Basta ver o que acontece nos hospitais universitários, todos praticamente sucateados, interrompendo procedimentos por falta de equipamentos, por falta de dinheiro, mesmo.Uma pena que a gente tenha perdido o bonde da história desde sempre.

  4. JB disse:

    Quer maior agente de inovacão (governamental) do que a NASA, agência espacial americana?

  5. Aécio disse:

    A questão abordada pelo texto é interessante e complexa.
    De certo modo o Estado está presente em tudo, seja com um pequeno programa ou outro. No entanto, atribuir a inovação tecnológica ao Estado me parece, a princípio, exagero.
    Se pensarmos numa questão “ovo/galinha”, a produção precede o Estado. O Estado praticamente não produz bens, e sua fonte de renda é proveniente de quem produz. Logo, ao investir em algo o Estado está apenas devolvendo ao contribuinte aquilo que foi arrecadado.

  6. Parceiro, você quer questionar dados de informação de publicação científica de uma economista com fonte de wikipédia? Me desculpe mas o seu comentário é que é uma piada.

  7. Caro Luca (ou Lucas, sei lá):
    Você está equivocado.
    Reafirmo a essência do meu texto. Tanto o Google quanto a Apple foram sim financiados pelo governo dos EUA. Sugiro que, nas suas próximas pesquisas, você utilize mais de uma fonte (se faz necessário, muitas vezes, pra se ter uma precisão maior na pesquisa, cruzar dados de fontes distintas).
    Os links da Wikipedia que você sugeriu, pelo que pude ler rapidamente, estão incompletos quanto ao nascimento dessas companhias. Estão incompletos ou isso foi omitido. Talvez seja apenas coincidência, mas as duas empresas citadas atuam na área digital e certamente têm condições de monitorar e influenciar o texto sobre as próprias em um espaço colaborativo como é a Wikipedia.
    A seguir, dois links de duas fontes que reafirmam o que eu escrevi. A primeira trata da Apple e a segunda do Google:
    http://www.sba.gov/content/sbic-program-overview
    http://www.nsf.gov/discoveries/disc_summ.jsp?cntn_id=100660
    Os dois links anteriores são informações oficiais, de páginas oficiais do governo dos Estados Unidos (em um tema que o governo dos EUA não teria, imagino, muito interesse em mentir; em outras áreas, obviamente, esse governo tem todo o interesse em mentir, manipular etc).
    Você pode questionar a validade dessas informações, é claro. Mas, nesse caso, gostaria que você apontasse um motivo razoável (como estou fazendo agora com relação ao que você escreveu). Não vale xingar, usar CAIXA ALTA pra aterrorizar o oponente etc. Quero, se for o caso, argumentos. Sejamos adultos.
    Você escreveu, logo no início do seu comentário, que achou o meu texto “a maior piada”. Piada ainda maior foi a sua “pesquisa” sofrível. Embora eu não tenha dado uma única gargalhada… Por fim: quem está “entranhado em mentiras” (como você também escreveu), ainda que, aparentemente, sinceras, é o seu comentário.
    Atenciosamente,
    Leonardo Gomes Nogueira

  8. Respondendo ao Lucas:
    Reafirmo o que escrevi anteriormente.
    Tanto o Google quanto a Apple foram sim financiados pelo governo dos EUA. Sugiro que, nas suas próximas pesquisas, você utilize mais de uma fonte. A Wikipedia, que é uma fonte extensa e interessante, nesse caso, aparentemente, omitiu fatos importantes da história das duas companhias (não deve ser coincidência o fato das duas empresas atuarem exatamente na área digital; provavelmente, eles devem ter meios de monitorar, com alguma frequência, Wikipedia e outros bancos de dados).
    A seguir, duas fontes que reafirmam o que eu escrevi. A primeira relacionada a Apple e a segunda ao Google:
    http://www.sba.gov/content/sbic-program-overview
    http://www.nsf.gov/discoveries/disc_summ.jsp?cntn_id=100660
    Você pode não acreditar. Ok. Tem todo o direito. Mas são fontes oficiais (em um tema que o governo dos Estados Unidos não teria, imagino, muito interesse em mentir; em outras áreas, obviamente, esse governo tem todo o interesse em mentir, manipular etc).
    Você escreve que achou o meu texto “a maior piada”. Obrigado. O humor é fundamental. Ah… Por fim: quem está “entranhado em mentiras”, ainda que, aparentemente, sinceras, é o seu comentário.

  9. Lucas disse:

    Cara, me desculpe mas a Apple e o Google foram sim financiados em seu início com dinheiro do Small Business Investment Company Program (SBIC Program) e National Science Foundation (NSF), respectivamente.
    “Many well-known U.S. companies received early financing from SBICs, including Intel, Apple Computer, Callaway Golf […]” – http://www.sbia.org/?page=sbic_program_history
    http://www.nsf.gov/discoveries/disc_summ.jsp?cntn_id=100660 – texto “On the Origins of Google”
    http://en.wikipedia.org/wiki/National_Science_Foundation#Timeline – ver período 1990-1999

  10. Luca disse:

    Nossa, a maior piada esse texto!
    Não, nem Google nem a Apple foram financiados pelo governo dos EUA:
    http://en.wikipedia.org/wiki/Google#Financing_and_initial_public_offering
    http://en.wikipedia.org/wiki/Apple_Inc.#1976.E2.80.9380:_Founding_and_incorporation
    O que diferencia o Vale do Silício do resto do mundo é a quantidade de milionários que tem lá junto com uma baixa taixa de juros, isso faz com que muitos investimentos tradicionais tenham baixíssimo retorno (poupança lá rende 1% ao ano). Isso faz com que investir em startups seja uma ótima alternativa. Voltando àquela discussão do que o estado sabe ou não sabe fazer, esses investidores sabem selecionar muito melhor no que investir do que o governo (muitas das vezes eles já fundaram meia dúzias de empresas, e além de investidores acabam se tornando ótimos conselheiros). Quem arca com o maior risco de uma empreitada é o empreendedor fundador, sem a menor dúvida. O cara precisa dedicar alguns anos da vida dele inteiramente àquilo, trabalhando demais, e pode sair de completamente mãos vazias (financeiramente falando, não em termos de experiência), talvez endividado, enfim, statups falham muito mais do que dão certo porque elas estão tentando coisas novas, e não tem como saber se vai funcionar de ante-mão.
    Numa pequena amostragem dá para ver a concentração absurda de Venture Capitals (empresas que fazem investimentos) na Califórnia (CA):
    http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_venture_capital_firms
    Juízo de valores a parte, não querendo dizer qual é a única forma correta de inovar, se o estado deve participar mais ou não (e sim, em vários casos ele precisa apoiar sim), mas esse texto está entranhado em mentiras.

  11. Vinny Alves disse:

    Um ex-aluno meu, de Sociologia, me ensinou, num processo dialético que somente o materialismo histórico é capaz de decifrar, que o próprio celular, seus primórdios, se deram na antiga URSS, em finais dos anos de 1950! Fui pesquisar; e não é que era verdade absoluta! É isso!

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