Benito Muros enfrenta a obsolescência programada

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Após lançar lâmpada que dura cem anos, espanhol quer debater uma das práticas mais difundidas – e devastadoras – da produção capitalista contemporânea

Por Cibelih Hespanhol

Em 1999, quando o espanhol Benito Muros visitou o quartel de bombeiros de Livermore, na Califórnia, conheceu uma lâmpada que está acesa há 112 anos no local. E iluminou-se numa ideia: “Se em 1901 foi produzida uma lâmpada que dura mais de cem anos, por que não agora?”.

Foi então que Muros compreendeu o conceito de obsolescência programada – as lâmpadas no século XXI, e uma infinidade de outros produtos, não duram e não interessa que durem – simplesmente para que o consumidor precise comprar mais, fazendo lucrar as corporações. Benito conta em entrevista: para demonstrar que tal prática não é inevitável, resolveu fabricar sua própria lâmpada. Assim foi produzida a OEP Eletrics, que possui garantia de 219 mil horas de funcionamento e gasta 70% menos energia que as lâmpadas fluorescentes convencionais. Também propôs um movimento chamado Sem Obsolescência Programada.

Muros afirma que tem sido ameaçado de morte. É carismático e às vezes controverso. Seja como for, sua iniciativa ajuda a lançar luz sobre uma prática capitalista cada vez mais anacrônica e devastadora e, no entanto, cada vez mais empregada. A obsolescência programada surgiu há quase cem anos, no coração da indústria automobilística. Em 1924, diante de uma das primeiras crises de estagnação da venda de carros novos, Alfred Sloan Jr, executivo-chefe da General Motors, teve a ideia de mudar, a cada ano, algumas das características dos modelos fabricados. Foi amplamente criticado – inclusive por Henry Ford, para quem a nova prática prejudicaria a produção em escala.

Mas sua iniciativa mudou a indústria. Aos poucos, dezenas de pequenos produtores de automóveis fecharam as portas, por não poderem pagar os custos de design e reprogramação das fábricas implicados. A GM ultrapassou a Ford, assumindo a condição de principal fabricante norte-americana e mundial. Mais tarde, durante a depressão econômica vivida pelos EUA nos anos 30, o industrial Brook Stevens teria inventado o jargão: “um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”.

Na indústria automobilística, lançar um modelo a cada ano tornou-se prática quase obrigatória. Mas obsolescência programada esparramou-se rapidamente por todos os ramos da produção capitalista. Uma de suas marcas contemporâneas são as imensas filas formadas, em lojas de todo o mundo, nas noites de lançamento de novos modelos do Ipad. Não é preciso muito para compreender suas consequências ambientais, num mundo de recursos finitos e produção incessante de lixo.

O espanhol Muros persevera. Para ele, as ameaças (e as dificuldades em encontrar intermediários para a venda das lâmpadas) não são um problema: “Meu objetivo não é vender, mas sim chamar atenção para a necessidade de mudar o nosso sistema econômico atual, baseado no consumo e no desperdício, no deitar fora e comprar.o fiz isto para vender lâmpadas. Apenas para dizer ao mundo que as coisas podem ser de outra forma, sem enganar ninguém, sem destruir o planeta e sem usar recursos de que não se precisa”.

Quanto à lâmpada de Livermore, que inspirou Muros e é considerada um verdadeiro destino turístico, vale ressaltar: as câmeras webcans que a vigiam diariamente já precisaram ser trocadas.

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8 comentários para "Benito Muros enfrenta a obsolescência programada"

  1. Bruno disse:

    Talvez uma solução para o caso do Sr. Muros seria a divulgação a nível mundial de como se fabricar a sua lâmpada, assim talvez fosse possível difundir tal processo até mesmo a nível doméstico, fazendo com que cada um que quisesse ter uma, a fabricasse em sua própria casa, com ferramentas simples. No meu caso, as lâmpadas LED que possuo a anos, sempre que queima um LED eu o troco por um novo, soldando-o no lugar do que queimou e preservando a lâmpada. Há mais de dois anos que não compro uma lâmpada. Há vários tutoriais no Youtube que ensinam como fazer isso tendo em mãos um multímetro (pode ser analógico, dos antigos), ferro de soldar, solda e o LED que pode ser encontrado até mesmo no mercadolivre. E ainda por cima não agride o meio ambiente porque não há descarte das lâmpadas queimadas e a economia que se faz ao longo do tempo vale sim a pena! Fica aqui a dica! 🙂

  2. Ubirajara disse:

    Obsolescência programada é dinheiro jogado fora e consumo exacerbado de recursos naturais e de esforços humanos.
    Os esforços das empresas seriam outros; talvez o foco fosse nos serviços relacionados ao produto ou no próprio desenvolvimento tecnológico para obtenção de itens de maior qualidade, maior funcionalidade (pois o produto novo deveria ser mais atraente ainda que o anterior para que o consumidor trocasse uma coisa boa que já funcionasse suficientemente bem por um bom tempo)… E também teríamos menos lixo.

  3. Paula C Y R Biancardi disse:

    Realmente, não se pode desconsiderar o impacto econômico. Mas pense no seguinte: o planeta não terá recursos naturais para sustentar esse modelo econômico por muito mais tempo. Sem mencionar os resíduos produzidos ao longo do processo. A indústria e até mesmo o campo estão cada vez mais automatizados. Cada vez se produz mais e mais barato com menos mão de obra. Todo a riqueza produzida pelo consumo vai parar na mão de poucos. E o preço será alto e todos pagaremos por ele. E se mudássemos o foco para outros setores? Serviços, turismo, entretenimento? Não seríamos mais felizes ao invés de comprarmos sem parar coisas que logo irão para o lixo ou ficarão encostadas em algum canto, se investíssemos em qualidade de vida? Viagens, entretenimento, cultura, tempo com a família? Não está na hora dos grandes magos do Marketing que colocaram em nossos subconscientes que somos o que possuímos e o que aparentamos, se mexerem para mudar essa percepção?
    O fato é que não podemos continuar consumindo e destruindo o planeta dessa maneira sem sentido e não dá para ficar esperando que o avanço científico nos permita colonizar outro planeta. E mesmo que isso aconteça, se nada mudar, só repetiremos o mesmo processo.

  4. J.Rodrigues disse:

    Tambem discordo desse cenario. Que as empresas convencam que os usuarios efetuem a aquisicao de um novo aparelho, eletrodomestico, móvel ou seja lá oq for por meio da inovacao, ou de uma real funcao que esse objeto realize, que o consumidor julgue necessário. Nesse caso, a industria de lampadas nao iria necessariamente falir, visto que novos comercios, predios, iluminacao publica (de ruas, estradas e outras vias) estao constatemente demandando tal objeto. Fora que nosso compromisso deve ser fiel a natureza, diminuindo o consumo desncessario

  5. Luiz disse:

    Eu não acredito que li isso. kkkkk quanta besteira. Obsolescência programada só se popularizou durante a 3ª revolução industrial (década de 1970), se os produtos forem menos obsoletos não vai acontecer esse cenário apocalíptico que tu estás prevendo aí.

  6. Fábio disse:

    Agora eu coloco a questão de forma inversa. E se não existisse a obsolescência programada? Seria uma maravilha, os eletrodomesticos, as lampadas, os automóveis, os móveis, os computadores e os celulares durarem uma vida! Mas o que isso implicaria em termos economicos? O que aconteceria quando as pessoas já não tivessem necessidade de comprar uma lampada nova porque já tem todas as que necessita e elas não se avariam. O que aconteceria à fábrica que produz essas lampadas? O que aconteceria com as pessoas que trabalham nessa fábrica? Essa fabrica fecharia pois deixaria de fazer sentido existir se não tem mercado para vender lampadas e seus empregados ficariam sem emprego! E as restantes industrias que sobrevivessem cobrariam preços elevados pelos seus produtos! Agora imaginem isso a uma escala macroeconomica! Toda a economia que existe hoje, uma economia tecnologica e industrial, voltaria a ser uma economia agrária em que todos teriam de trabalhar na agricultura, seriamos pobres e existiria uma pequena elite rica dona das pequenas industrias e das grandes fazendas! Ou seja, todo mundo recuaria 100 anos. Agora me digam é isso que nós queremos? Recuar em todo o progresso que até agora foi conquistado?

  7. Felipe disse:

    Este artigo que você compartilhou não leva em consideração uma verdadeira infinidade de casos em que a obsolescência programada ocorre. O autor pode entender alguma coisa de economia mas não entende nada de tecnologia. Quando estamos nas mãos de empresas gigantes, como hoje em dia, a obsolescência programada é mais do que uma conjectura, é um fato. Todos os anos o formato dos soquetes de processadores são desnecessariamente modificados, impossibilitando que você utilize processadores de modelos antigos em placas-mãe novas; são lançadas novas versões de smartphones, como os da Apple, que não agregam quase nenhum recurso de hardware novo, mas ainda assim possuem aplicativos exclusivos para forçar os consumidores a adquiri-los — além de mudar o formato do cabo de dados e abastecimento, o que leva à inutilização de toda uma gama de produtos feitos para interagir com tais smartphones, como é o caso das dockstations; jogos eletrônicos como FIFA são vendidos a preços exorbitantes, ainda que estejam inacabados e repletos de bugs… Quando quase todos os piores bugs são corrigidos já é tarde, pois foi lançada a versão do ano seguinte, que funciona no mesmo console e é 90% parecida com a versão anterior. Jogadores que não comprarem a nova versão são obrigados a jogar com times desatualizados, a menos que comprem a versão mais recente. Foi assim com FIFA 11, FIFA 12, FIFA 13 e FIFA 14. Todos muito caros, repletos de bugs, funcionando no mesmo console e cada um tornando o anterior obsoleto de maneira forçosa, através do término de suporte e atualização. Sendo que na prática são todos muito parecidos e com diferenças bastante sutis. Não há sequer um programa de troca por parte da Sony que permite entregar o jogo antigo para adquirir desconto na nova versão.
    Tudo isso acontece porque essas empresas são gigantes da tecnologia, estão nadando no Oceano Azul, e portanto estamos sujeitos aos seus caprichos.
    Eu poderia ficar aqui citando uma infinidade de outros exemplos, mas acho que já pude invalidar a tese do autor do artigo que você postou, de que a obsolescência programada seria uma mera teoria de conspiração.

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