Um prefeito de esquerda em Nova York?

NYC Mayoral Candidate Bill De Blasio Hosts Primary Night Party In Brooklyn

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Políticas públicas para pobres, casamento interracial e homoafetividade convertem Bill de Blasio em favorito à prefeitura da cidade – e surpresa no cenário norte-americano

Por Vinicius Gomes Melo 

Quando, nos anos 1980, os Estados Unidos estimularam uma guerra civil na pequena Nicarágua, dezenas de milhares de jovens voluntários norte-americanos voaram ao país da América Central para tentar reduzir os efeitos do embargo econômico imposto pelos EUA. Um jovem alto, desajeitado e barbudo, de 26 anos, estava entre eles, ajudando a distribuir alimentos e remédios à população nicaraguense. Era Bill de Blasio, hoje candidato democrata à prefeitura de Nova York, e líder nas pesquisas, para as eleições de 5 de novembro contra o republicano Joseph Lhota.

Formado em política Latino-Americana na Universidade de Columbia, de Blasio tornou-se um apoiador entusiasta dos revolucionários sandinistas – que recebiam armas da União Soviética e suprimentos de Cuba –, num momento em que a disputa entre eles e os “contra”, sustentados pelos EUA, ocupava o centro da Guerra Fria e polarizava os EUA.

Filho de mãe de origem italiana e pai descendente de alemães, ambos intelectuais e ativistas, no início dos anos 1990 de Blasio começou a trabalhar na prefeitura com o democrata David Dinkins – o primeiro, e até agora único prefeito afro-americano de Nova York –, ao mesmo tempo em que ajudava a levantar fundos na Rede de Solidariedade à Nicarágua. Foi na equipe de Dinkins que ele, hoje com 52 anos, encontrou aquela que viria a ser sua mulher, a ativista e poeta negra Chirlane McCray, de 58.

A família que constituiu com Chirlane parece dar à sua candidatura um forte apelo, na cidade de maior diversidasde étnica e racial dos Estados Unidos. Militante dos direitos da mulher negra, Chirlane escreveu nos anos 1970 um artigo, hoje muito lembrado pela imprensa, em que se declarava lésbica. Negra e lésbica. Seus poemas eram “raivosos”, define ela. Casaram-se em 1994 em cerimônia oficiada por pastores gays e passaram a lua-de-mel em Cuba, quando o turismo entre os dois países ainda era proibido. Têm dois filhos adolescentes, Chiara e Dante, estudantes de escolas públicas.

Tudo indica que a diversidade social, sexual e racial que compõem é mesmo atraente para a população nova-iorquina. Na primária democrata pela candidatura, de Blasio venceu Christine Quinn, declaradamente lésbica e casada com uma mulher. E teve o mesmo número de votos do candidato negro, Bill Thompson, junto ao eleitorado afro-americano. Para além desses fatos está o reconhecimento do seu trabalho como defensor público da Prefeitura, desde 2009, e ainda antes, como membro do Conselho Municipal, quando seus esforços foram todos voltados à melhoria das escolas públicas e da qualidade da alimentação, saúde infantil e habitação da população de baixa renda da cidade.

Desigualdade e discriminação

A candidatura de Bill de Blasio vem sendo apoiada por vários atores, entre eles Alec Baldwin, vegetariano e ativista dos direitos dos animais. À revista New Yorker, Baldwin declarou: “O que Chirlane e Bill trazem é uma imagem… como diria? É a imagem de uma Nova York moderna. E não estou apenas falando da questão interracial.”

De fato, o temas eleitos por de Blasio para a campanha não poderiam ser mais atuais: desigualdade e discriminação racial. Com base no relatório sobre a pobreza em Nova York realizado pela prefeitura, a partir de estatísticas de 2005 a 2011, ele alerta para o aumento dos níveis de pobreza na cidade. Os contrastes são crescentes: 46% dos nova-iorquinos estão abaixo ou próximos da linha de pobreza, enquanto há pelo menos 400 bilionários na cidade. A pobreza na “Big Apple“ segue o mesmo padrão de sempre: asiáticos (26,5%) e hispânicos (25,1%) lideram os grupos raciais com maiores níveis de pobreza, à frente de afro-americanos (21,4%) e brancos (15,4%).

O projeto de Bill de Blasio é aumentar os impostos do 1% dos mais ricos, que juntos representam 1/3 da renda do município, para pagar as melhorias na educação pública e expandir projetos de pré-escola e atividades extracurriculares. O contraste de sua candidatura com a cena política atual fica mais claro quando se sabe que o atual prefeito, o republicano Michael Bloomberg, foi considerado em 2013 o 13o homem mais rico do mundo pela revista Forbes. Em seu ataque às desigualdades, de Blasio argumenta que a elevação de impostos seria praticada durante 5 anos apenas. A partir de então, a prefeitura buscaria novas maneiras de financiar o programa.

Outro tema de grande repercussão da campanha é o fim da política de “parar e revistar”, criada pelo prefeito atual e julgada discriminatória por ser praticada principalmente com negros e hispânicos.

No entanto, não é apenas na disputa com Joe Lhota que de Blasio encontrará obstáculos para fazer valer sua proposta de aumentar o imposto dos mais ricos. Se eleito, de Blasio terá que conseguir a aprovação do projeto na Câmara Estadual, controlada por republicanos, na capital Albany. A tarefa fica mais complicada quando se sabe que em 2014 haverá eleições para deputados e governador. O governador atual, o democrata Andrew Cuomo, vai concorrer novamente. E não existe nada mais perigoso para um político tentando se reeleger do que falar em aumento de impostos.

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