Mídia na Argentina: lei democratiza; Grupo Clarín quer barrá-la

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Como a “Ley de Medios” restringe a concentração de poder midiático e qual a tática do maior grupo local para anulá-la na Justiça

Por Cibelih Hespanhol

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Na Argentina, a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (LSCA), conhecida como Ley de Medios, lançada pelo governo da presidenta Cristina Kirchner, foi aprovada pelo Congresso em outubro de 2009 com 44 votos a favor e 24 contra. Mas até agora não está em plena vigência, em razão de um processo iniciado, dois meses depois, pelo Grupo Clarín.

O embate entre representantes do Estado e do Grupo culminou na assembleia realizada pela Suprema Corte na quinta-feira, 29/08. O Clarín alega que dois artigos da lei ferem seus direitos de liberdade: o 45, que estipula a quantidade máxima de licenças possíveis a uma empresa midiática, e o 161, que determina a exclusão das licenças excedentes.

Para o grupo empresarial, tratar das licenças de operação de TV a cabo, cuja rede não faz parte do espectro radioelétrico e tampouco é concessão pública, é uma medida inconstitucional. Portanto, apesar de aprovada, a Ley de Medios foi suspensa por um tribunal estadual do país. E em 2010, através da intervenção da Suprema Corte, foi declarada a vigência da cautelar referente ao artigo 161 durante o prazo de 36 meses.

A lei que até então regia as comunicações argentinas vigorava desde 1980, época do regime ditatorial, e não permitia a participação de ONGs e emissoras públicas. O diretor nacional de Supervisão da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) afirmou, à época do lançamento da Ley de Medios, ser este “o primeiro instrumento legal feito do país de baixo para cima”. De fato, sua elaboração representou a vontade de trezentas organizações sociais argentinas, e recebeu influência da legislação de países norte-americanos (EUA e Canadá) e europeus (Espanha, França e Inglaterra).

“Creio que a Argentina, com essa nova lei de audiovisual, serve de exemplo não só para o continente latino-americano como para o mundo inteiro”, avaliou o Relator Especial para a Liberdade de Expressão das Nações Unidas, Frank de la Rue, em visita à Argentina a convite da Comissão de Sociedade Civil e Estado sobre Comunicação.

A Ley de Medios define os prestadores de serviços de radiodifusão sob concessão pública como: de gestão estatal, gestão privada com fins lucrativos e gestão privada sem fins lucrativos. Assim, torna igualitárias as condições de participação dos meios públicos, de meios do setor privado e de meios de ONGs, produtores independentes, fundações e sindicatos, com um terço do sistema cada.

A partir da nova lei, as concessões passam a vigorar por dez anos (e não mais vinte e cinco, como até então) e, para ser renovadas, devem submeter-se a uma audiência pública avaliativa. As operadoras ficam limitadas a 24 licenças, com a abrangência de 50 km, significando que nenhum operador de TV pode ter audiência superior a 35% do mercado.

Na assembleia de 29/08, a Suprema Corte perguntou aos representantes do Clarín: “Se a liberdade de expressão requer um poder econômico como o do Grupo Clarín, o que ocorre com os demais grupos que não têm essa expressão? Não teriam liberdade?”. Eles reafirmaram a visão de que o processo tem o único objetivo de prejudicá-los, argumentando que a conduta do governo é errática, pois “aplicando restrições não se gera competição” e “não é necessário limitar o Clarín para que haja outras vozes”. Os representantes do Estado, por sua vez, sustentam que o objetivo da lei é desconcentrar o mercado.

Apesar da culminância dos embates, para o Juiz da Corte Suprema de Justiça, Carlos Fayt, o tribunal só deve se manifestar sobre a constitucionalidade da Ley de Medios após as eleições, que acontecem agora em outubro.

 

 

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