Quando certa literatura deixa as margens

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Lançamento dos livros “Vozes dos Porões” e “Pedagoginga” simboliza a concretização, valorização e o aprofundamento de obras conhecidas — ainda — por poucos, fora das periferias

Por Andressa Vilela

Em tarde de quinta-feira (29), no Centro Cultural São Paulo, descontraída e informal, Alejandro Reyes, autor mexicano, lançava sua obra “Vozes dos Porões: a literatura periférica/marginal no Brasil” ao lado de Allan da Rosa, que escreveu “Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem”. Ambos os títulos foram publicados pela Editora Aeroplano, dentro da Coleção Tramas Urbanas, coordenada pela professora Heloisa Buarque de Hollanda, que mediou a mesa no início do encontro.

Para ela, ambas “estudos profundos”. Vozes dos Porões, segundo ela, o livro mais completo sobre literatura marginal, no qual o autor se debruçou sobre toda a história do tema, transmitindo uma identificação profunda para os leitores. Pedagoginga, por sua vez, questiona o fazer educativo e apresenta uma nova proposta pedagógica, que envolve autonomia dos alunos e compromisso com a cultura afro-brasileira. De acordo com o autor, “é o sonho de alimentar o movimento de educação popular nas periferias de São Paulo”.

Ainda que original de outro país, Reyes diz ser semelhante o que acontece lá e cá, quanto à literatura marginal. Segundo ele, o nome do livro surgiu por causa de vivência em coletivo chamado “O Porão dos Esquecidos”. Juntos, pensaram que a melhor maneira de nomear tal produção seria “literatura dos porões”, dos porões da sociedade.  “É um trocadilho sobre o que acontece no México e o que acontece aqui”, explica o autor.

As diferenças e semelhanças foram ingredientes para uma rica troca sobre a arte das letras do povo. Primeiro, o assunto foi o preconceito linguístico, enraizado na sociedade brasileira. Conforme os debatedores, a literatura periférica trata de questões extremamente locais, reivindicando, assim, uma linguagem muito específica, que vai de encontro ao que a comunidade acadêmica considera culto e correto. Por isso é urgente que se criem pontes para conectar os dois extremos linguísticos da sociedade: o erudito e o popular.

Para Alejandro, a produção literária marginal surge como uma dessas pontes, que deve quebrar a cegueira e a surdez de instituições conservadoras que ainda resistem em considerar o discurso periférico como válido. Segundo Allan, a produção de algo diferente do que já existe está na necessidade de marcar um território. Entretanto, ele aponta que a padronização também é um risco que a produção da periferia corre, mas que “a quebrada é de um monte de jeito e tem um monte de tema possível”.

Sobre o papel da literatura na sociedade, Reyes acredita que ela tem a capacidade de quebrar conceitos, de ir o mais profundo possível no questionamento da existência humana.  “A literatura tem uma função pedagógica no sentindo de nos fazer enxergar coisas que de outro modo não enxergaríamos”, diz o autor. Ele explica que a literatura periférica não surge com o sentido de apontar respostas, mas sim de fazer o leitor identificar-se com o que lê. Trata-se da “sanha de fazer o leitor aparecer”, que, para Allan, é uma luta diária.

Num caso específico da criação literária de mexicanos que vivem nos Estados Unidos, por exemplo, a fronteira entre os dois países não existe no imaginário e na realidade humana dos imigrantes e isso é refletido na literatura, conta Reyes. “Tem um hibridismo com a linguagem… Já que território tem a ver com a experiência e sensibilidade humana e nada a ver com fronteiras, mesmo que existam fisicamente”, pontua. O outro lado do assunto são os traumas que os imigrantes sofrem ao tentar entrar ilegalmente no país norte americano. Ambos os autores afirmam que conheceram de perto histórias difíceis, que apenas reforçam o apego ao país de origem.

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