“Debaixo de tanta pele corre sangue africano”

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Autor de um som próximo ao samba-soul, Wesley Nóog diz que caminhamos para uma antropofagia brasileira, dada a riqueza cultural do país

Por Keytyane Medeiros | Imagem Catraca Livre

Depois de vencer as escadinhas de barro que avançam por trás de uma escola municipal do Capão Redondo, chego ao CEU da região. A unidade ainda é nova, com apenas quatro meses de existência, e na noite de sábado (31/08) recebeu o cantor elétrico e performático Wesley Nóog. O show apresentou algumas músicas de seu novo CD, Soul Assim, e canções mais consagradas como “Nega, Neguinha”, “Pixaim” e “Povo Brasileiro”.

Apesar de ser contra rótulos ou divisões musicais, Wesley faz um som que se aproxima do samba-soul, tem notas afro-brasileiras evidentes e letras inteligentes. Sobre a cultura de periferia, o artista é bastante enfático ao dizer que “o CEU ainda é um elemento inusitado dentro da comunidade, não há um apropriação de fato desse espaço”.

Curiosamente, o fenômeno não é exclusividade dessa unidade. CEUs de bairros ainda mais afastados são melhor aproveitados pela população do que aqueles que permeiam grandes avenidas, como é o caso dos CEUs Capão Redondo ou Campo Limpo. Quanto mais dentro da periferia, onde os serviços básicos de lazer e esporte não costumam chegar, maior é a procura.

Na noite em que Wesley se apresentou no 3º Encontro Estéticas das Periferias, contudo, o anfiteatro estava praticamente cheio. Mais da metade da plateia o acompanhou em suas canções e piadas, sendo que um dos motivos da proximidade do público com o artista se deve à sua ligação histórica com o grupo Cooperifa, sarau conhecido na região.

Após a apresentação, Wesley destacou a importância daquele espaço para a comunidade, já que está localizado em “um dos maiores pólos de produção cultural da periferia nos últimos 20 anos”. Para ele, “o Capão se tornou referência internacional de produção artística e cultural, embora tenham tentado manchar sua história ao longo das décadas de 80 e 90, quando havia muita violência na região. Então a comunidade percebeu a necessidade de uma renovação, que aconteceu através da arte.”

De acordo com o músico, a relação das secretarias de cultura e das organizações da sociedade civil com a periferia tem criado possibilidades de diálogo entre as comunidades e o Estado. “É muito importante participar desse processo, ser mais um tijolo na construção desse edifício. A comunidade tem que se apropriar do que é seu”, afirma.

Direto do caldeirão

O cantor contou que seu novo disco é uma espécie de autobiografia, em que fala sobre tudo o que viveu e observou no “caldeirão borbulhante que é a cidade de São Paulo”. Soul Assim, diz ele, é feito de “poemas musicais com a minha história, com a história do povo brasileiro, do índio, do preto, da mulher. Faço música brasileira e o Brasil é uma colcha de retalhos. Debaixo de tanta pele, corre o sangue africano”.

A periferia costuma assimilar com facilidade tudo o que a grande mídia e a indústria cultural produzem, diz ele. No entanto, acredita, estamos caminhando para um processo de antropofagia brasileira, dada a riqueza histórica e cultural do Brasil. “É diferente da Semana de 1922 e de movimentos que vieram depois, que faziam antropofagia europeia, americana. Estamos tendo a honra de fazer parte de um momento em que praticamos a antropofagia de nós mesmos.”

As músicas de Wesley Nóog podem ser ouvidas na página do Toque no Brasil.

 

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