Rússia: reprimidos, gays avançam

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Lei homofóbica atiça violência mas, contraditoriamente, abre caminho para debater padrões sexuais alternativos. Ativistas rejeitam boicote às Olimpíadas de 2014

Por Taís González

O presidente russo, Vladimir Putin, sancionou no dia 30 de junho uma lei que proíbe “propaganda de relações sexuais não-tradicionais para menores”, abrindo um novo capítulo na história dos direitos dos homossexuais na Rússia. A lei impõe pesadas multas a pessoas que forneçam informações sobre homossexualidade a menores de 18 anos, e proíbe a adoção de crianças russas por homossexuais solteiros que vivam em países onde é legal o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A proibição federal baseou-se no “sucesso” de leis regionais sobre “propaganda do homossexualismo para menores”, aprovadas em dez regiões a partir de 2006.

Entretanto, a lei é ambígua e perigosa. Sem uma definição legal de “propaganda” ou “relações sexuais não tradicionais”, não é possível controlar o modo como as autoridades irão utilizá-la. Para se ter ideia, quatro turistas holandeses foram detidos no norte da cidade de Murmansk, em julho, fazendo um documentário sobre o que é ser LGBT na Rússia. A justificativa foi que estariam espalhando “propaganda de relações não-tradicionais entre menores de idade”, já que os documentaristas teriam falado com adolescentes em um acampamento.

Perigo iminente. Desde que a proibição da propaganda homossexual começou a ser adotada, os casos de agressões multiplicaram-se, apontando para a triste realidade de que as consequências dessas leis serão principalmente sociais, e não legais. Por exemplo, na cidade de Ryazan, LGBTs têm vivido sob a lei da propaganda gay há mais de sete anos. Durante este tempo, apenas duas pessoas foram condenadas, depois de recorrerem a instâncias superiores. Seus casos foram levados à Comissão de Direitos Humanos da ONU e ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Entretanto, desde então, prisões de manifestantes, perseguições e assassinatos mostram que a forte presença da homofobia entre os cidadãos russos. Há apenas vinte anos, a homossexualidade era considerada um crime no país.

Não há números oficiais sobre violência antigay na Rússia, mas casos recentes mostram o problema no país. Em 9 de maio, o jovem Vladislav Tornovoy, de 23 anos, foi morto em Volgograd, a 950 quilômetros de Moscou. Atacado com garrafas de cerveja e uma pedra de 20 kg, o jovem não resistiu aos ferimentos. Um dos dois homens que o mataram foi preso pelo “suposto homicídio”. Aos 39 anos, Oleg Serdyuk foi assassinado em 29 de maio na região leste da Rússia, porque teria “orientação sexual não tradicional”. Em 30 de maio, o tribunal da cidade de Dzerzhinsk condenou a onze anos de prisão um homem que matou outro russo por ter lhe oferecido um relacionamento homossexual.

Bons costumes. Más línguas afirmam que estas são atitudes extremas para tentar deter manifestações que estariam multiplicando o número de adeptos da homossexualidade, como por exemplo a da banda punk feminista Pussy Riot. O grupo realizou em fevereiro de 2012, na Catedral Cristo Salvador, em Moscou, uma manifestação bem-humorada contra a campanha à presidência do então primeiro-ministro Vladimir Putin. As jovens conquistaram simpatia dentro e fora da Rússia devido às acusações de que três delas teriam recebido tratamento cruel enquanto sob custódia, e arriscavam-se a receber sentença de sete anos de prisão. Em agosto do mesmo ano, as três foram condenadas por vandalismo motivado por ódio religioso e condenadas a dois anos de prisão cada uma.

Uma das justificativas da lei gira em torno da proteção da moral, dos bons costumes, da família e, claro, do declínio da taxa de natalidade da Rússia. “Com um golpe de caneta, as autoridades endossaram restrições ao direito à liberdade de expressão, em nome dos ‘tão falsos’ valores tradicionais”, afirmou Rachel Denber, vice-diretora da Human Rights Watch na Europa e Ásia Central.

Não ao boicote. Com a aprovação da lei federal e o aumento de casos de agressão contra a comunidade LGBT, cresce a incerteza sobre a segurança dos atletas que participarão dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, previstos para fevereiro na cidade de Sochi. O Comitê Olímpico Internacional recebeu “fortes garantias” de que não haverá discriminação. “A Rússia comprometeu-se a cumprir rigorosamente as disposições da Carta Olímpica e seus princípios fundamentais”, afirmou o vice-premiê Dmitry Kozak. A Carta rejeita qualquer tipo de discriminação.

A despeito dessa afirmação, uma onda de boicotes ronda os jogos. Para Nikolai Alexeyev, presidente do GayRussia.Ru e Moscow Pride Organizing Committee, contudo, boicotar grande eventos esportivos só irá abafar as vozes dos LGBT no país. Ele declara que “a Olimpíada é uma oportunidade única para a comunidade LGBT da Rússia e do mundo estar presente e ter sua voz ouvida. […] Os Jogos Olímpicos de Sochi podem transformar-se no maior incentivo ao movimento gay da nossa história”. Para Alexeyev, a lei “deu um impulso à luta LGBT. Mais ativistas estão protestando em várias cidades russas. O tema está sendo amplamente discutido na mídia, o que era impensável em 2005, quando nós começamos. O efeito é oposto ao que eles queriam atingir. Estão promovendo propaganda gay na Rússia, mais do que qualquer outro ativista LGBT”.

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