Perdão de dívida africana: é para valer?

Brasil anula débitos e procura expandir laços na África. Mas haverá condições ocultas?

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Brasil anula débitos e procura expandir laços na África. Mas haverá condições ocultas?

O Brasil cancelou ou reestruturou cerca de 900 milhões de dólares da dívida de 12 países africanos. O anúncio foi feito pela presidente Dilma Rousseff em 25 de maio, por ocasião das comemorações de meio século da União Africana (UA), na Etiópia, e reflete a relevância cada vez maior das relações com países africanos. O Brasil abriu 19 novas embaixadas na África na última década, e nesse período o comércio entre o país e o continente africano quintuplicou, chegando a mais de 26 bilhões no ano passado.

O principal beneficiário é o Congo-Brazzaville (352 milhões), seguido da Tanzânia (237 milhões) e Zâmbia (113,4 milhões). Os outros países são a República Democrática do Congo, Gabão, Gana, Guiné Bissau, Costa do Marfim, Mauritânia, São Tomé e Príncipe, Senegal e Sudão. Segundo o porta-voz da presidência, Thomas Traumann, quase todas as negociações são de cancelamento das dívidas, e o restante envolve menores taxas e prazos mais longos. Ele afirmou ainda que praticamente todas as dívidas são dos anos 70.

Falando à BBC, Dilma disse que o sentido da negociação é de “mão dupla: beneficia o país africano e beneficia o Brasil”. Sem isso não conseguiria ampliar as relações econômicas com esses países, “tanto do ponto de vista de investimento, de financiar empresas brasileiras nos países africanos, como também de relações comerciais que envolvam maior valor agregado”.

Grandes empresas brasileiras investem pesadamente nos setores energético, de mineração e em grandes obras de infraestrutura na África. O BNDES alocou 682 milhões de dólares em 2012 para corporações que operam no continente, um aumento de 46% com relação a 2011. A Petrobras investiu centenas de milhões de euros nos setores de carvão, petróleo, gás natural e energia alternativa na Nigéria, e a Vale, maior produtora de minério de ferro do mundo, tem investimentos de 7,7 bilhões de dólares em nove países africanos. Projetos de desenvolvimento financiados pelo Brasil incluem uma ferrovia de um bilhão de dólares na Etiópia e uma represa de água potável em Moçambique.

Motivações: Ao cancelar ou reestruturar a dívida de países africanos, o Brasil estaria ao mesmo tempo tentando melhorar as relações políticas e econômicas com a região e sinalizar sua participação nos esforços para o perdão internacional da dívida. Contudo, a iniciativa suscitou dúvidas, entre elas se haverá condicionantes, tais como compromisso dos devedores de assinar tratados comerciais, ou o comissionamento de novos projetos de infraestrutura com empreiteiras brasileiras.

Para a Eurodad (European Network on Debt and Development), não está claro se o país irá caminhar na mesma direção dos ‘velhos” credores, cujo perdão da dívida foi frequentemente vinculado a condicionantes e motivado por razões geoestratégicas e econômicas. O grupo declarou que o Brasil deveria mostrar que sua prática é diferente, aderindo aos princípios da resolução de dívida justa e transparente, e recorrendo a soluções orientadas aos interesses do devedor, ao invés das do credor. Deveria também evitar a falta de transparência que muitas vezes atormenta as discussões sobre a dívida. Pesquisa da Eurodad revelou que, entre 2005 e 2009, 85% das dívidas bilaterais canceladas por credores do Ocidente eram resultantes de garantias para créditos de exportação e não de ajuda ao desenvolvimento, embora o cancelamento tenha sido atribuído à ajuda, aumentando o seu valor e falseando os dados.

A crescente ação de empresas nacionais no continente pode dificultar os bons propósitos brasileiros. Um exemplo ocorreu no mês passado, quando centenas de manifestantes bloquearam o acesso a uma mina de carvão da Vale em Moçambique. O grupo de trabalhadores alegava não ter recebido toda a indenização acordada com a empresa após realocação para início das operações da mina. A Human Rights Watch, ONG que defende os direitos humanos, afirma que eles foram realojados para terras áridas e improdutivas, razão pela qual vêm sofrendo com falta de alimentos. A Vale e o governo de Moçambique prometeram melhorias.

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