Chile: rumo a uma Constituinte?

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Embalada por imensa mobilização estudantil e por onda de reivindicações locais, sociedade quer construir, de forma direta, projeto de refundação da política

Por Hugo Albuquerque

Adormecido durante anos, pelo entulho autoritário da ditadura Pinochet e por um conservadorismo moral incomum (o divórcio foi aceito apenas em 2004), o Chile parece despertar para uma primavera de democracia direta. No último fim de semana, Santigo acolheu uma inovadora Cúpula Social. Organizada por dezenas de organizações sociais, ela tentará desencadear um processo político provavelmente inédito: a construção autônoma das bases para uma nova Constituição – sem o comando dos partidos políticos.

Nos próximos meses, uma extensa série de reuniões e assembleias em todo o país formulará um projeto de desenvolvimento alternativo. Para tanto, o encontro deste fim de semana definiu dezessete eixos temáticos – entre os quais, educação públicos, saúde, proteção do ambiente, saúde e recursos naturais, democratização das comunicações e relações com os povos originários. Em 2013, depois do debate nacional, uma segunda Cúpula Social definirá as proopostas. Somente então elas serão encaminhadas aos partidos políticos. Além de reivindicar que se posicionem, a sociedade civil almeja algo maior: uma Assembleia Constituinte, para reescrever as leis fundamentais do país.Como tanta ambição é possível? De certa maneira, diz o sociólogo Marco Antonio Garretón, o espaço foi aberto pela própria ausência dos partidos políticos. Entrevistado pela Agência IPS, ao participar da Cúpula, ele analisou: “Há, por um lado, um movimento social que aspira à transformação; por outro, uma ordem política que a impede e uma classe política que perdeu a relação com o mundo social”.

Os desejos de mudança, sempre segundo Garretón, têm se expressado de duas formas. A primeira tornou-se conhecida mundialmente: o Chile foi, em 2011, o país da América Latina mais contagiado pela onda de mobilizações sociais que sacudiu o planeta. Os protagonistas principais foram os estudantes. Durante meses, eles protestaram contra a persistência da privatização do ensino, iniciada pela ditadura Pinochet. Algumas das manifestações reuniram centenas de milhares de jovens e todas foram extremamente criativas.

Mas a maré de reivindicações não se limitou aos estudantes, explica Bárbara Figueroa, da Central Unitária dos Trabalhadores (CUT-Chile). Desdobrou-se numa série de reivindicações locais e territoriais. Em paralelo às lutas universtiárias, aliás, desenvolvia-se o movimento dos índios mapuches, em defesa de suas terras ameaçadas pela mineração e pecuária extensiva. “O país está mudando, porque perdeu o medo do conflito. Pelo futuro, somos todos responsáveis”, pensa Bárbara.

O processo autônomo deflagrado no fim de semana significa um repúdio absoluto à representação e aos partidos políticos? O sociólogo Garretón opina que não. Para ele, não se trata de eliminar nem excluir a liderança política. Mas significa, sim, “estabelecer novas relações, nas quais os partidos não poderão monopolizar a expressão ou organizçaão da ordem social”. Uma possível alternativa seria uma arquitetura política em que “os partidos e movimentos sociais estabeleçam autonomamente um diálogo e uma nova aliança”.

Entre os obstáculos históricos a uma democracia real no Chile está a herança do período Pinochet (1973-1990). Ela inclui a Constituição da ditadura, de 1980, o sistema eleitoral atual e, também, a famigerada Lei Antiterrorismo, que continua a ser utilizada pelo governo para reprimir e criminalizar os movimentos sociais. Em suma, as mudanças que permitiram a redemocratização do país nos anos 90 foram, em geral, tópicas e mediadas pelas mesmas forças que governaram pela força o país por 17 anos – um acordo cujos defeitos vem à tona com nos dias atuais.

Antre 200 e 2006, o governo do socialista Ricardo Lagos, eleito nestas condições adversas,promoveu uma reforma constitucional – que, no entanto, não correspondeu às demandas da sociedade chilena no campo da democracia representativa e das exigências sociais. 

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3 comentários para "Chile: rumo a uma Constituinte?"

  1. eu diria que os partidos políticos são um mal necessário, no mínimo. portanto indispensáveis para qualquer diálogo

  2. Sergio Becker disse:

    Como dito antes, o Chile (e todos os países) merecem uma Constituição que os proteja das tiranias Fascistas da extrema direita e Marxista-Comunistas da extrema ezquerda.

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