Por recursos públicos para diversidade e democracia cultural

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Estéticas das Periferias promove encontro de gestores culturais pra debater o financiamento no setor

Por Laís Bellini e Taís Capelini

Reunindo gestores culturais das periferias paulistanas e investidores públicos e privados, a quarta-feira (29/08) trouxe ao Centro Cultural São Paulo cerca de 130 pessoas interessadas em entender os processos de investimento em políticas culturais para além dos mecanismos tradicionais.

Foi argumento de todos os discursos que o poder público precisa de uma proposta que agregue diversidade cultural e democracia não somente no acesso à cultura, mas também em sua produção e articulação. Os investimentos, constatou-se, estão extremamente concentrados. A Lei Rouanet, que funciona com base em renúncia fiscal por parte das grandes empresas, concentra 79,11% das inversões só no Sudeste. (Compare com as outras regiões: 9,69% no Sul, 6,91% no Nordeste, 3,84% no Centro Oeste e 0,45% no Norte). Na cidade de São Paulo o poder público destina 18 milhões por ano a 300 instituições culturais enquanto a Orquestra Osesp sozinha recebe 53 milhões anualmente.

É por esses números que se começa a entender o porquê de muitos movimentos culturais lutarem para que o governo assuma a responsabilidade de escolher qual o destino do investimento públicos. Há diversas alternativas — entre elas, um Fundo Nacional da Cultura, reunindo recursos da União, dos estados e municípios, como propõe a PEC 150 (2% do orçamento geral da União, 1,5% do orçamento do estado e 1% do orçamento do município) ou ainda a manutenção da renúncia fiscal, com critérios claros sobre quem será beneficiado.

Foi a partir desses argumentos, expressos em números concretos, que os debatedores expuseram alternativas às propostas de editais — ressaltando contudo a importância de lutar para que estes sejam mais democráticos e acessíveis a todo e qualquer movimento ou organização cultural. O Programa VAI, da prefeitura de São Paulo, foi apontado como iniciativa que lança olhar diferenciado para os projetos culturais da periferia, tendo em vista a grande quantidade de projetos aprovados que envolvem atividades pelos territórios periféricos da cidade. Mas não deixou de ser criticado devido a muitos projetos não contemplados e a necessidade de mais investimento da prefeitura na cultura. “O VAI surge para contemplar pessoas que, por serem jovens, não terem personalidade jurídica e viverem na periferia, sempre estiveram à margem das políticas culturais. Apesar da importância, infelizmente, o VAI não consegue dar conta de grande parte das produções que resistem sem nenhum incentivo”, ressaltou Peu Pereira, do Coletivo Arte na Periferia.

Os relatos de experiência dos convidados exemplificaram as alternativas vivenciadas em cada caso e como a sobrevivência desses movimentos é um exercício de resistência em meio à ainda lenta progressão do governo em relação ao investimento no setor cultural. Leandro Hoehne e Ângela Garcia apresentaram o caso da Rede Livre Leste, formada por pontos que se articulam para assegurar sustentabilidade e organização para além do investimento estatal. “Se os coletivos estão numa velocidade 10, as políticas públicas estão numa velocidade 0,5. Por isso, os coletivos expressam-se, produzem e resistem mesmo sem o respaldo das politcas culturais”, afirma ele.

Livia de Tomasi, da UFRJ, trouxe um olhar acadêmico para a questão, criticando o pouco investimento em Pontos de Cultura, por exemplo, e lembrando que há pouco tempo atrás o único espaço público que havia na periferia era o bar. Hoje, a própria população está transformando esses espaços em saraus e centros culturais. Parafraseando um trecho do manifesto Poesia na Brasa, ela destaca: “Então a gente quebra as muralhas do acesso, e parte para o ataque. Invadimos as bibliotecas, as universidades, todos os espaços que conseguimos, para arrumar munição (informação). Os irmãos que foram se armar, já estão de volta preparando a transformação. Mas não queremos falar para os acadêmicos, e sim para a dona Maria e o seu José, pois eles querem se informar”.

Peu Pereira, do Coletivo Arte na Periferia, considerou os editais um processo burocrático que restringe o avanço dos processos culturais. Considera que a luta cultural é uma luta de classes. Lembrou ainda: “Kassab cortou 45% do orçamento da subprefeitura do M’Boi Mirim e subiu 12% do orçamento da subprefeitura de Pinheiros. Que política pública democrática é essa? Para fazer política pública precisamos hoje de foco em três frentes na cultura: ocupação, intervenção e enfrentamento”.

Tiely Queen abriu a segunda mesa contando sua experiência em São Miguel Paulista e o fortalecimento da mulher. O HipHop Mulher que hoje promove não só shows como também encontros para debates sobre o setor. Mencionou a necessidade de o governo se preocupar com a formação dos gestores da periferia para que aprendam a escrever projetos para editais. Segundo ela, surgem ótimas ideias na periferia mas não recebem investimento por não estarem nos formatos pré-estabelecidos por quem escreve o edital. Edson Natale, do Itaú Cultural, falou da independência que a organização tem apesar de ser mantida pelo banco e mencionou uma série de projetos da periferia que receberam investimento nos últimos anos.

Luciana Lima, da USP, focou na oportunidade que a aprovação da Bolsa Cultura trará, na cidade de São Paulo. A partir dela, os gestores culturais receberão uma bolsa para trabalhar no setor cultural, em projetos e organizações do setor em todo município. A proposta está circulando em diversos eventos de debates culturais e busca concentrar um grande número de assinaturas da popuação para encaminhar para a Câmara. Gabriel Fedel, do Fora do Eixo, trouxe a experiência da rede de coletivos que cresceu nos últimos 6 anos exercendo atividades envolvidas com cultura e sustentabilidade. Propôs, como alternativa à política de editais, a troca entre pontos culturais e organizações que trabalham no setor, estimulando, assim, a integração entre as ações e os gestores.

Muito é feito e discutido, mas muito pouco é investido. E a periferia mostra que “resiste, revolta, revoluciona” e segue em busca de polítcias publicas para além dos editais, “contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha (…) Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor” (Antropofagia Periférica, Sergio Vaz).

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4 comentários para "Por recursos públicos para diversidade e democracia cultural"

  1. TÃO IMPORTANTE QUAMTO O MASP, MIS, AS BIENAIS…

  2. Parbéns! Encaminho dois artigos que ajudam a explicar mais sobre os efeitos desta concentração de rescusos na cultura. Este é uma entrevista: http://brazilianpost.co.uk/30/08/2012/cultura-para-poucos/ E este é um aritgo com uma analise de realações de poder: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=11&id_noticia=190855 abraços

  3. Tiely Queen disse:

    muito legal!!! valeu a cobertura e o apoio no evento!!! 😉

  4. Iniciativa pra servir de exemplo.

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