Novo capítulo na Primavera do Québec

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Na retomada das aulas, milhares de estudantes voltam às ruas, protestam contra aumento das mensalidades escolares e podem ajudar a eleger partido favorável à autonomia regional da província canadense

Por Hugo Albuquerque

Em 22 de Agosto, estudantes universitários da província de Quebec, no Canadá, protestaram fortemente contra o governo local, chefiado pelo liberal Jean Charest. O movimento estudantil repetiu o que já acontece desde março deste ano — e pode prosseguir, pelos próximos seis meses. Em 22/3, uma grande manifestação iniciou o combate contra o plano de aumento abusivo dos chamados “droits de scolarité universitaires” (direitos de escolaridade universitária) — os valores exigidos para que um estudante possa se matricular em um programa de estudos de educação superior. Uma vez implementada, essa medida representará um aumento brutal de 75% dos custos educacionais pelos próximos cinco anos, além dos aumentos já registrados nos anos recentes (3,6% a mais de 2009 para 2010 e 4,0% de 2010 para 2011)

Pelo seu tamanho e intensidade, as manifestações foram chamadas de Primavera do Quebec. Não tardou a vir uma reação violentíssima contra elas: inclusive, por meio de um dispositivo de exceção, a famigerada lei “especial” n. 78, instituída pelo parlamento local em 18 de Maio deste ano. Seu efeito prático é suspender os direitos fundamentais a manifestação pacífica dos estudantes, obrigando, entre outras coisas, que qualquer organização ou coletivo que planeje uma manifestação pacífica com mais de 50 participantes informe às autoridades policiais data, hora, duração, locais, intinerários e meios de transporte utilizados para tanto às autoridades policiais. Em nome da “segurança pública”, a polícia pode determinar “modificações”. Uma campanha dos estudantes pede a anulação da lei nos tribunais. Suas razões estão resumidas em um vídeo que circula pela Internet.

As manifestações atuais ganham particular importância também por se relacionarem com o calendário institucional. O Quebec está votando a possível antecipação das eleições provinciais, para o próximo 4 de setembro. O governo do primeiro-ministro Jean Charest (o Quebec tem autonomia limitada), que já dura nove anos, enfrenta crise de popularidade. Sua taxa de aprovação, que era de 27% em Março, antes das manifestações, despencou para 17% em Junho. Uma derrota do governo abalar o complexo equilíbrio político e nacional do Canadá — onde uma população anglófona convive com a maior aglomeração de língua francesa das Américas. A pauta da educação tem conotações maiores: os movimentos nacionais quebequenses sempre se mobilizaram em torno da construção de instituições educacionais francófonas como forma de manter a cultura local viva.

Embora nunca tenha resultado em uma emancipação definitiva da província em relação ao resto do Canadá, um movimento de décadas, pela autonomia da região, alcançou mudanças consideráveis na política local. Não há, por exemplo, uma representação do Partido Conservador — ora no governo do país — na província, que é a segunda maior da federação. As pautas pró-minoria francófona foram, historicamente, quase que monopolizadas pelos liberais — que hoje sequer são o segundo partido da federação, embora tenham governado o Canadá na maior parte do século 20.

É por isso que as medidas de Charest, no provável crepúsculo do seu governo, são duplamente negativas. Podem tirar dos liberais seu último bastião no país, uma vez que ferem o que há de mais sensível no Quebec e traem a tradição política de moderação, do seu partido. Nesse cenário, o Partido Quebequense, de orientação social-democrata, e maior partido de oposição na província, pode tornar-se o principal favorecido eleitoral pela crise da província. No entanto, como as experiências do mundo árabe e da Europa ensinam, estamos diante de um desejo de liberdade muito maior não só do que o evento que as deflagrou (a crise no sistema universitário local), mas também dos sistemas político-partidários estabelecidos.

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