Janelas fechadas na Rua do Carmo

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Os personagens da ocupação e da desocupação de prédios abandonados no Centro de São Paulo contam da vida em cortiços e da luta por moradia; Veja vídeo

Por Suzanna Ferreira

“Quando não tem esperança, tem luta”. É o que me diz Melissa Santana, auxiliar de limpeza, enquanto dobra uma blusa, observa um bebê que dorme e se prepara para sair do casarão do Carmo, região central de São Paulo, desocupado há uma semana por uma ordem judicial.

Cansada de repetir o seu nome mais uma vez, após uma assistente social anotar seus dados para cadastro na Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), Melissa conta que o procedimento é comum, mas não tem nenhuma garantia de retorno. “Sempre quando ocorre a desocupação de um prédio, eles fazem cadastro para a Prefeitura providenciar moradia. Eu morava aqui quando tinha 17 anos, agora tenho 34, e ainda não tenho onde morar”, conta.

O cortiço localizado na Rua do Carmo foi desapropriado em 1991, justamente para construção de unidades habitacionais, projeto aprovado pelos Conselhos de Defesa do Patrimônio. A obra teve início em 2004, mas não foi concluída—a construtora que conduzia os trabalhos foi à falência. Para completar, o processo do juiz Antônio Carlos de Figueiredo Negreiros, que assinou a desocupação, diz: “É lastimável que uma cidade com tamanho déficit habitacional, notadamente para a população carente, tenha que conviver com um programa social, que, após vinte anos do decreto de expropriação do imóvel, ainda não saiu do papel”.

Algumas semanas antes, durante a desocupação no número 601 da Av. São João, também no Centro de São Paulo, outras pessoas carregavam nas mãos suas vidas, compactadas em pequenas sacolas, e saíam dos 21 andares do Aquarius Hotel, nunca inaugurado. Ageu dos Santos Silva chegou à calçada do prédio trazendo vassouras e produtos de limpeza. Havia gasto 70 reais para realizar a faxina do edifício recém ocupado, mas não teve tempo nem permissão de voltar a entrar no prédio: a polícia já cercava o imóvel e obstruía as portas.

Maria de Lourdes, de 50 anos, lembrou tudo o que já passou durante o tempo em que buscou uma moradia em São Paulo. São situações de confronto com a polícia—que utilizou spray de pimenta durante a tentativa de ocupação de um prédio— e mutirões de limpeza para tornar habitáveis lugares até então abandonados, com esgoto entupido. Maria recorda também o período em que viveu numa pensão da Baixada do Glicério, de onde foi despejada. “O dono do lugar mandou embora sem aviso anterior e sem explicações”, diz.

Perto de onde está Maria de Lourdes, pessoas permanecem sentadas ou ajoelhadas na frente do cinturão humano de policiais militares. Muitas delas cobriam as lágrimas dos olhos com os dedos, inclusive um garoto que aparentava ter uns 6 anos. Carregado pelo ombro do pai, com o olhar cansado, ecoava seu choro de criança entre o silêncio que se fixava naquele momento pela avenida. As faixas dos movimentos de moradia flamulavam enquanto seus quase-vizinhos desciam as escadas com bolsas, sacolas, colchões. Recebiam um forte aplauso de todos. O porta-voz da Frente de Luta por Moradia (FLM), Osmar Borges, dividia um microfone com outras líderes de movimentos e coordenadoras de outras ocupações. “Vocês saem desse prédio com a cabeça erguida, e sabem que fizeram a diferença na luta por moradia”. Segundo Osmar, falta moradia para 800 mil famílias na cidade de São Paulo.

Durante as duas desocupações que aconteceram pelo centro—na Av. São João, 601 e no casarão da Rua do Carmo—era nítido o desespero de quem estava ali, com poucas coisas para carregar. Quem abrigou as famílias que saíam foram os ocupantes de outro prédio, também abandonado, na Rua Martins Fontes, ocupado há aproximadamente dois meses. “Nós estamos fazendo o papel do poder público, que é garantir moradia, como direito constitucional do cidadão que vive e trabalha aqui. Essas pessoas estão sem escolha: ou trabalham para se alimentar, ou para pagar o aluguel”, explica Luiz Gonzaga, o Gegê, integrante do MMC (Movimento de Moradia do Centro).

Confira abaixo o depoimento de moradores que participaram do último movimento de ocupação em São Paulo, no dia 7 de novembro. Vídeo realizado em parceria com o Projeto Ocupação Cultural:

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Um comentario para "Janelas fechadas na Rua do Carmo"

  1. Roberto Zwetsch disse:

    O que os moradores de coritços e prédios abandonados de São Paulo estão realizando é como a profecia dos antigos. Neste tempo de Natal, quando o próprio filho de Deus não encontrou lugar para nascer a não ser numa suaj estrebaria de uma cidade insignificante da Palestina, é mais do que justo acompanhar estas pessoas e saudar sua coragem em escancarar a injustiça e a desigualde que ainda e por muito tempo marcam a sociedade brasileira. Value.
    Prof. Roberto Z. – Faculdades EST – São Leopoldo, RS.

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