América Latina (I): menos pobres e mais indigentes

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Estudo da Cepal comemora redução da desigualdade na região, mas alerta sobre problemas estruturais que podem colocar a perder os avanços

A Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas com sede em Santiago do Chile, apresentou nesta quinta-feira (30) o informe Panorama Social 2011, que analisa o nível de desenvolvimento da região com base nos índices de desemprego, distribuição de renda, respeito aos direitos trabalhistas, proteção social, taxas de fecundidade, sindicalização, investimentos governamentais e violência. Ao contrário de outras instituições internacionais, portanto, a Cepal não se baseia apenas na evolução do Produto Interno Bruto (PIB) para definir a situação econômica de uma nação. É, digamos assim, uma análise mais qualitativa do crescimento.

O Blog Coletivo Outras Palavras irá abordar, separadamente, todos os seis capítulos do documento. Neste post, trataremos do primeiro, que fala sobre pobreza, desigualdade e trabalho. Entre suas principais conclusões, o Panorama Social 2011 observou que os níveis de pobreza e indigência nunca foram tão baixos nos últimos 20 anos entre os latino-americanos. De acordo com a secretária-executiva da Cepal, Alícia Bárcena, a América Latina deve encerrar 2011 com aproximadamente 174 milhões de habitantes pobres—dos quais 73 milhões são indigentes. Isso significa que a pobreza atinge a 30,4% da população, enquanto a miséria se estende a 12,8% dos latino-americanos.

Em comparação com o ano passado, o órgão da ONU detectou uma ligeira redução nos níveis de pobreza. Porém, a indigência aumentou: em 2010, éramos 177 milhões de pobres e 70 milhões de indigentes. A Cepal justifica essa suposta incoerência devido ao aumento no preço dos alimentos. Portanto, mesmo que a economia tenha crescido (numa taxa de 4,8% em 2010), mesmo que haja mais trabalho e as pessoas estejam recebendo salários maiores, as pressões financeiras sobre os produtos agropecuários acabaram reduzindo os ganhos econômicos reais para uma pequena parcela da população—que, no fim das contas, empobreceu. Outro fator que explica os resultados sociais positivos são os programas de transferência de renda—tipo Bolsa Família, replicado em vários países—e os subsídios governamentais dirigidos aos setores de baixa renda.

“A pobreza e a desigualdade continuam diminuindo na região, o que é uma boa notícia, especialmente num contexto de crise econômica internacional”, comemora Alícia Bárcena, ressalvando, contudo, que “as conquistas estão sendo ameaçadas pelas enormes brechas existentes na estrutura produtiva e pelos mercados de trabalho que geram empregos de baixa produtividade e sem proteção social.”

Não é novidade que a América Latina ostenta os níveis de distribuição de renda mais injustos do mundo. A Cepal reconhece o fato, mas observa que o jogo da desigualdade social no continente passou a mudar no início do século 21, ou seja, mesmo período em que começaram a tomar posse, em vários países, presidentes de origem popular ou vocação esquerdista. A agência da ONU não faz essa relação, mas é inevitável notá-la.

Da mesma maneira, não se pode desconsiderar o fato de que o pico da pobreza e da desigualdade nas últimas três décadas pode ser observado no período em que as políticas neoliberais eram aplicadas com maior intensidade na região. (Veja gráfico.) De acordo com a Cepal, 1990 foi o ano em que, proporcionalmente, houve mais pobres na América Latina: 48,4% da população, sendo 22,6% indigentes. Em números absolutos, o auge aconteceu em 2002, quando 225 milhões de latino-americanos amargavam a pobreza e, entre eles, 99 milhões estavam na miséria.

“Os anos 2002 e 2003 representaram um ponto de inflexão a partir do qual a desigualdade começou a mostrar uma tendência decrescente em numerosos países. Se bem que a redução da desigualdade é leve—insuficiente para mudar o status da América Latina como região mais desigual—, vale a pena ser destacada num contexto de ausência prolongada de melhoras distributivas”, diz o Panorama Social 2011.

Segundo o estudo, os países que apresentaram melhor desempenho no combate à pobreza foram Peru, Equador, Argentina, Uruguai e Colômbia. (Veja tabela.) Curiosamente, e apesar da constatação da Cepal sobre o aumento da pobreza durante a época neoliberal, os peruanos só foram eleger um governo “progressista” em 2011, enquanto os colombianos seguem numa linha política mais conservadora. Por outro lado, Honduras e México são os únicos países que apresentam crescimento significativo nos níveis de pobreza e indigência. Vale lembrar que houve um golpe de Estado contra o presidente hondurenho, em 2009, e que o território mexicano está militarizado devido à guerra do governo contra os narcotraficantes. —@tadeubreda

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4 comentários para "América Latina (I): menos pobres e mais indigentes"

  1. eduardo l disse:

    O que é pobreza? E indigência? Quero dizer, qual a renda que a CEPAL utiliza para considerar uma pessoa abaixo destas determinadas linhas? Imagino que ela é diferente da que o IBGE trabalha, pois há diferenças entre os resultados.

  2. LEONEL NEIDE FERREIRA disse:

    Para mim, a indigência dos moradores de rua e o abandono total das tribos indígenas que vivem incomunicáveis, são os piores exemplos de comportamento desumano dos habitantes e poderes públicos do mundo.A burocracia, as leis que protegem a omissão e a falta de mobilização dos cidadãos e entidades representativas da sociedade, representam a indiferença de quem passa pelas ruas e vê aqueles indivíduos no limite máximo da privação.Se fossem animais perigosos, seriam colocados em zoológicos ou soltos na zona rural para se alimentar de animais silvestres ou domésticos e amedrontar,ferir ou matar habitantes do campo.Como são pacíficos,permanecem nas cidades sofrendo os mais variados tipos de violência.

  3. Jorge Carpio Del Solar disse:

    Com a CELAC,aprovado,em Caracas Venezuela,no dia 03 de Dezembro de 2011,por consenso dos 33 mandatários da Comunidade dos ESTADOS latinoamericanos e Caribenhos,nasce de forma histórica no Continente Latinoamericano um organismo sem os Estados Unidos e o Canadá como instrumento político para
    trabalhar pela unidade e integração dos povos latinos depois de 200 anos de exclusão,saqueo dos recursos naturais e a exploração humana.

  4. Paulo disse:

    Apesar de dizerem que a classe C aumentou no Brasil, o contingente de ‘redundantes’ ou ‘sobrantes’ – gente que não produz e não consome -, também aumentou em escala global. Em resumo, o fosso entre ricos e pobres está mais largo e mais profundo.

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