Direito ao corpo e ao livre pensar

.

A liberdade de manifestação valeria apenas para as Marchas da Maconha, ou é direito fundamental de todxs, inclusive para manifestar discordância do atual estado de coisas?

No dia 23 de novembro último, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou por unanimidade que é livre a manifestação em defesa da legalização das drogas, referindo-se às marchas da maconha que foram proibidas por juízes estaduais e duramente reprimidas pela polícia militar. Em junho, o STF já havia decidido pela liberdade de manifestação, declarando que a marcha da maconha não constitui apologia — crime previsto no Código Penal. Agora, a corte julgou a causa tendo em vista a Lei de Drogas.

Não há surpresas na decisão acertada do STF. Afinal, a Constituição Federal prevê em seu artigo 5º o direito à livre manifestação e reunião, “sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização”. É próprio da democracia que as questões políticas e as leis vigentes sejam discutidas publicamente pela sociedade e, eventualmente, alteradas. Se assim não fosse, não haveria liberdade alguma, pois pensamentos divergentes do atual estado de coisas estariam proibidos.

Porém, em leitura desatenta das notícias que se referiam ao julgamento, me deparei com uma frase inquietante do excelentíssimo senhor Gilmar Dantas (ops! Gilmar Mendes). O ministro da suprema corte afirmou que, se fosse um ato em defesa da descriminalização do aborto, isso seria um perigo, um desrespeito aos direitos humanos [sic], e que a liberdade de reunião reafirmada pela corte seria exclusiva de manifestações em prol da legalização de drogas, não devendo se estender a manifestações pela descriminalização de outras condutas.

Gilmar Mendes parece desavisado, pois todos os anos, no dia 28 de setembro, há manifestações no Brasil e em toda América Latina pela legalização do aborto. No dia 8 de março, dia de luta das mulheres, o aborto é a principal bandeira, ao lado da não violência contra a mulher. O aborto clandestino, diga-se de passagem, é a terceira causa de morte materna no Brasil, e mata todos os anos milhares de mulheres. São mais de um milhão de abortos por ano no país. Por ser criminalizado, o aborto precário constitui grave problema de saúde, que atinge as camadas mais pobres da população, sem condições de praticá-lo de maneira segura — como o fazem as elites privilegiadas, a despeito da proibição. Mas isto é assunto para outro post. Fato é que a manifestação pela legalização do aborto, além de ser legítima por si mesma, é justa e urgente.

Ora, senhor ministro, como disse seu colega Celso de Mello, “são ideias inconiventes e conflitantes com o pensamento dominante, mas a mera expressão de um pensamento não pode constituir objeto de restrição pelo Estado.” Qualquer que seja o conteúdo da manifestação, ela deve ser livre, como determina a Constituição e as normas internacionais de direitos humanos das quais o Brasil é signatário. Não cabe, por óbvio, coibir pessoas no seu direito à livre expressão do pensamento, seja ele divergente, absurdo, inusitado ou utópico.

Inclusive, se fosse o caso hipotético de uma manifestação pela descriminalização da pedofilia, como sugeriu em seu devaneio moralista o respeitável ministro, caberia à sociedade e à opinião pública o repúdio. Assim foi quando jovens desmiolados se manifestaram a favor do nobre deputado Jair Bolsonaro e seus discursos fascistoides, homofóbicos e machistas de quinta categoria, em abril de 2011. Prontamente, um grupo muito maior de pessoas se manifestou em repúdio ao discurso de ultra direita, em um contra-ato. Em seguida, na maior parada gay da história, 4 milhões de pessoas mostraram ao deputado e aos seus seguidores que não passarão. O próximo 8 de março, certamente, será uma ótima oportunidade para fazer valer a Constituição, apesar dos autoritários de toga que volta e meia acreditam ter o poder de proibir a liberdade.

Leia Também:

22 comentários para "Direito ao corpo e ao livre pensar"

  1. Luciana Frare disse:

    Em nenhum momento duvidei de sua inteligencia, mas critiquei seus pontos de vista. Se falo para vermos os dois lados da moeda, é porque tanto eu como você temos pontos corretos em nossos argumentos.
    Quando falo que é a mulher que deve escolher se coloca o filho no mundo é porque entendo que toda criança merece e deveria vir ao mundo com amor. Se a mulher nao ama o seu filho, pois veio de uma gravidez indesejada, de um estupro, porque sabe que ira cria-lo sozinha e nao tem condicoes economicas, porque é muito jovem para ser mae, entre tantos outros fatores, acredito sim que, se a mulher assim deseja, o aborto legal deveria ser uma opçao. Porque se ela tiver condicoes de pagar, ira fazer clandestinamente e colocar sua vida em risco. Ou entao ira ter o filho e encaminha-lo para a adoçao, em um pais que temos milhoes de crianças em espera pra adoçao que crescem em orfanatos, sofrendo varios tipos de violencia fisica e/ou psicologica. Se a mulher que nao deseja aquele filho e resolver nao deixa-lo pra adocao, mas cria-lo com rejeiçao, maus tratos, chegando muitas vezes a ter seu filho tirado pelo Conselho Tutelar e levado à adoçao, voce realmente acredita q isso é o melhor para a criança? Voce realmente conheceu em sua vida crianças que sofreram abusos, negligencia, violencia, que foram separados dos pais pela falta de condiçao economica? Vc sabe o que a maioria, se nao todas, essas crianças dizem? Que as vezes preferiam nao ter nascido. Nao estou falando abobrinhas aqui porque acho o maximo o aborto e acho lindo matar um feto. Eu NUNCA faria aborto, por questoes minhas. Mas sei que nao é assim para todas e defendo sim a legalizacao do aborto. Sou psicologa e trabalhei em muitos orfanatos, em atendimentos à crianças de rua, marginalizadas. Eu conheço a realidade que estou falando, mesmo nao sendo a minha.
    Hoje moro na França, onde o aborto é legalizado ha anos e vejo como isso é visto de outra maneira por la, um pais sem tanta influencia religiosa como o Brasil. E sabe o que acontece por la? O numero de abortos nao é nada elevado, mesmo nas classes pobres. Porque a legalizacao nao obriga ninguem à abortar. Mulher que busca o aborto é porque sabe que realmente nao tem outra opçao. E que se nao tiver legalizado, ela ira buscar outros meios. Para uma mulher abortar na França nao é no oba oba. Ela é consultada por sua ginecologista, que a encaminha para uma psicologa da rede publica, para que seja avaliada o real desejo e necessidade de nao ter essa criança. As pessoas nao usam aborto como metodo contraceptivo, mas sim como ultima opçao. Sim, eh um pais mais evoluido e que os metodos contraceptivos sao muito mais difundidos. Mas ha tb mta pobreza, muitas pessoas q nao têm acesso à pilulas, e que acabam engravidando por falta de informaçao/cuidado. E nao foi a legalizacao do aborto que fez o numero de abortos (comparados as estatisticas de abortos ilegais realizados antes da mudança) aumentarem.
    O problema é que aqui no Brasil, quando se fala em aborto, todo mundo acha q se for legalizado ninguem mais vai usar camisinha e havera mais abortos do que antes. Por favor, somos mulheres, seres humanos, sabemos a dor que é tirar um filho assim como sabemos a dor que é te-lo sem realmente estar preparada pra isso. Toda mulher que aborta nao vive isso de maneira leve e sem muita reflexao. Sabemos que é uma vida que deixa de nascer, mas para que possamos dar vida ao mundo quando realmente podermos te-la plenamente, com o amor, cuidado e sustento que toda criança merece. O vinculo entre mae e filho é eterno e bem por isso nao pode ser tratado de maneira tao superflua.

  2. Rogério Fernandes disse:

    Antes de se colocar contra, pense um pouco em todos os lados da moeda, ok? Dá um tempo Luciana, se me coloco contra é por que tenho informações e opiniões e não é só sua opinião que vale. Você advoga pelo nascituro antes nascer? Qual deusa da vida e da morte que você é? Sabe o futuro?
    “Melhor nascer sendo rejeitada, passando por situaçoes de negligência, ou sera que é a mulher que tem o DIREITO de decidir se ela tem condiçoes psicologicas/ materiais/ emocionais pra levar a frente a gravidez indesejada?” Pelo menos a criança deveria ter o DIREITO de nascer, DE EXISTIR COMO SER HUMANO COMO O SEU. Eu preferiria nascer em qualquer lar, mas estar VIVO.
    E muito que nascem não vivem e lares perfeitos e muitos pais não passaram pelo dilema de aborta esse ou aquele filho, é relativo como a VIDA. Pela lógica de vocês, se não temos uma sociedade perfeita livremos do problema que é nascituro. Tá bom.
    Não me trate como um ignorante, pois sou bem mais esperto do que você pensa. Que mundo a criança merece? Preparemos ele para os que virão.
    Abraço.

  3. Gutemblog disse:

    Juliana,
    Compartilho da ideia de que as leis podem ser um efeito da sociedade, assim como pode ser um produto dela quanto o movimento é inverso e, normalmente resultante de um jogo de forças social. É muito arriscado classificar qualquer reivindicação pública como que “nasce obsoleto”, pois alternamos comportamento ao longo do tempo. A homossexualidade já foi uma prática social aprovada, depois tornou-se indesejada e, hoje, caminhamos para a total equivalência a heterossexualidade. Alguns podem dizer que reivindicações pró homossexualidade “nascem obsoletas”, vide a “evolução social” que é contra. Assim como, outros podem dizer a “pena de morte” nasce obsoleta, apesar desta estar cada vez mais presente nos discursos sociais de diferentes atores… A sociedade discute hoje a redução da maioridade penal e, eu vejo tanto isto quanto a pena de morte como parte de toda uma ideologia que podemos chamar de sociedade do medo.
    Mas queria refletir este assunto de maneira mais profunda, através de alguma filosofia que nos permita identificar valores e direitos universais. Você diz: “Quanto à questão de como ser justo, creio que somente o parâmetro da liberdade é capaz de garantir democracia e justiça.” Como isso se dá? Não consigo perceber a liberdade como mantenedora da democracia e da justiça… Consegue perceber aonde quero chegar? Transceder um pouco essa questão prática, tentar analisar o que existe de universal como valor ético, se é que existe. O que a maioria pensa é o melhor? Nesse contexto, estaríamos concordando com o regime teocrático no Irã, com o capitalismo financeiros nos EUA ou com o sistema de castas na Índia?

  4. Prezado Gabriel, obrigada por seu comentário. Respeito profundamente a sua crença religiosa, e assim como defendo o direito à livre manifestação do pensamento, defenderei sempre a liberdade de crença, ambos direitos fundamentais e necessários para o respeito ao outro e para a democracia. A sua opinião me parece fundamentada em argumentos de cunho religioso, a partir de uma certa crença, por isso peço que compreenda que existem outras opiniões fundamentadas em outras crenças, inclusive há aquelas que não têm fundamento religioso. Portanto, não tenho a pretensão de discutir contigo qual o sentido da vida, a sua origem divina – ou não – pois para isto não há resposta verdadeira e sim princípios éticos / morais que guiam cada ser humano. Este tema cabe às instituições religiosas debater e é uma opção de foro intimo de cada um de nós. O estado brasileiro é laico, e como tal, não deve interferir na conduta das pessoas em nome de uma única fé, mas a partir da pluralidade de crenças. Ou seja, cabe ao estado regular questões de saúde pública e garantir condições dignas de atendimento a todos/as, independentemente de sua crença, sendo vedado o tratamento discriminatório. Por outro lado, é inconcebível ao estado laico impor proibições a toda a sociedade em razão de uma fé, como fazem estados teocráticos fundamentalistas. Não cabe ao estado impor a ateus, praticantes do candomblé ou protestantes que sigam os mandamentos da fé católica, por exemplo. Imagine que o estado decide que em todas as escolas públicas se ensinará o alcorão, ou que em todos os tribunais se julgará um crime segundo os mandamentos da umbanda. Assim, cabe a cada um, a partir de seus princípios éticos / morais, optar por uma conduta que afeta o seu corpo, e ao estado a garantia de acesso aos serviços públicos, justiça social e dignidade humana.

  5. Olá Luciana, obrigada por seu comentário. É sempre bom lembrar que ao defender a legalização do aborto, defende-se a regulamentação de uma conduta, não sua liberação ou imposição genérica. Caberia à mulher decidir sobre seu corpo, de maneira a dispor das condições necessárias de saúde, com limites pré determinados (tempo de gravidez, por exemplo). Aquelas que são contrárias à prática não ficariam obrigadas a fazê-lo. De fato, aqueles que defendem “a vida” se esquecem que, junto com os fetos, milhares de mulheres perdem a vida em condições precárias. Abraços, Juliana

  6. Olá, Gutemblog. Obrigada por seu comentário e por colocar uma série de questões para a reflexão. Para começar a fazer esta reflexão, sem a pretensão de dar respostas às questões, acredito que as leis não são efeito da sociedade, necessariamente, mas de um grupo que detém o poder na chamada democracia representativa – não participativa, não direta. São leis que buscam regular e manter o atual estado de coisas, por vezes endurecendo a mão armada do estado sobre a sociedade, outras vezes cedendo aos anseios poulares, porém sempre a partir de pressão social e de um certo jogo de forças, como foi o direito ao voto para as mulheres, o movimento negro nos anos 60 e a própria marcha da maconha hoje. As discussões que não tem a simpatia da chamada opinião “pública”, como vc mesmo coloca, são aquelas que, aos poucos, fazem certas ideias parecerem “fora do lugar” e, finalmente, leis e mentalidades mudam. Neste sentido, é inócuo aguardar a simpatia da opinião pública para iniciar o debate, já que é o próprio debate, que pode alterar a opinião pública e dar sustentação à democracia. Quanto à questão de como ser justo, creio que somente o parâmetro da liberdade é capaz de garantir democracia e justiça. Manifestações em favor da pena de morte, do “orgulho hetéro” e da “moral e bons costumes” já nascem obsoletas, pois sempre haverá opiniões e movimentos para repudiá-las e afirmar outras possibilidades, em uma luta constante entre o anseio de retrocesso e a vontade de liberdade. Não cabe ao estado, a juizes e a parlamentares julgar e definir a priori progresso e retrocesso, pensamentos “legítimos” e manifestações “válidas”. Cabe à sociedade e ao jogo de forças e discursos que a compõem manter a discussão acesa e empurrar o estado para frente, barrando o retrocesso quando necessário. Forte abraço,

  7. Luciana Frare disse:

    Gabriel, entendo seu ponto de vista. Mas quanto à questao do estupro (e tantas outras), é realmente humano obrigar uma mulher a continuar a gerar uma vida que nao foi desejada, que foi fruto de um ato de violencia e traumatico para a mulher? Eh realmente humano fazer uma mulher passar pela gestaçao, que deve ser uma alegria e comemoraçao, como uma dor de portar esse filho por 9 meses e depois coloca-lo para adoçao? A realidade é que, nao somente nesses casos, mulheres abortam e sempre abortarao, porque nao têm condicoes financeiras ou emocionais para criar esse filho. Sera que o mais correto é deixar essa criança nascer para separar-se dela depois? Ou entao guardar uma criança sem ter condiçoes psicologicas e financeiras para cria-las, submetendo a criança à situaçoes de violencia nao soh fisica, mas mental? Todo lado tem duas moedas, e por mais que eu acredite em Deus e sabendo que EU nunca faria um aborto pois é contra meus principios, reconheço SIM que a legalizaçao do aborto é NECESSARIA, pois significa dar condiçoes humanas de aborto para quem escolhe faze-lo. Sem isso, as mulheres continuarao abortando. Nao porque nao dao valor à vida, mas muitas vezes, por dar tanto valor à vida, querem realmente poder escolher o momento de colocar mais uma vida nesse mundo tao caotico.

  8. Luciana Frare disse:

    Como o texto disse muito bem, se você ler corretamente, o aborto não é exclusividade das classes mais pobres. A elite faz aborto sim, a diferença é que pode pagar cerca de mil reais em uma clinica que faça isso de maneira higiênica e correta. Quem nao tem essa grana, paga em clinicas duvidosas, colocando em risco suas vidas, ou entao comprando remedios abortivos ilegais, mais uma vez colocando a vida em risco. Quem nao tem condiçoes de nao pagar nem clinica barata nem remedio, segue com a gravidez indesejada, levando ao numero enorme de crianças para adoçao ou que sao separadas da mae pelo Conselho Tutelar por falta de meios, negligencia nos cuidados, sem falar em outras problematicas de um filho indesejado para uma mae que nao tem condiçoes de ter a criança.
    Acesso a informaçao toda mulher tem, mas acidentes acontecem sim, como esquecimento da pilula ou meninas que se vêem “intimadas” pelos companheiros a nao usar camisinha, porque diminui a sensibilidade. Casos desses conheço muitos. E sabe o que acontece na maioria das vezes? Quem assume o filho nao é o pai, igualmente responsavel pela gravidez, mas é a mae que arca com toda a dificuldade que essa gravidez traz pra sua vida. E nao falo de assumir financeiramente, isso a justiça se encarrega, estou falando de assumir plenamente o cuidado e o amor que toda criança que vem ao mundo precisa e MERECE ter. E ai, como fica a criança nessa? Melhor nascer sendo rejeitada, passando por situaçoes de negligência, ou sera que é a mulher que tem o DIREITO de decidir se ela tem condiçoes psicologicas/ materiais/ emocionais pra levar a frente a gravidez indesejada?
    Informe-se um pouco sobre como sao os paises que ja legalizaram o aborto. Os numeros de aborto nao sao altos, porque antes de faze-lo a mulher é acompanhada pela equipe medica para decidir se realmente quer abortar. Ou você acha que é facil e sem nenhuma dor no coraçao que uma mulher decide abortar, sendo de maneira LEGAL ou com condiçoes precarias como vemos tanto acontecendo no Brasil?
    Antes de se colocar contra, pense um pouco em todos os lados da moeda, ok?

  9. Rogério Fernandes disse:

    Sim, devemos preservar os direitos reprodutitivos esquecendo a ética e a moralidade, coisas que nos diferenciam dos animais. Agora dizer que só pobre procura aborto é um absurdo, uma idealização da realidade. Também é outra idealização da realidade dizer que é por falta de educação reprodutiva, anticoncepcionais. Mas não vamos fantasiar, informação existe e muita. Porém, como fazer uma adolescente usar pílula todos os dias? É raro, então vamos eliminar o problema matando o feto, caminho mais fácil.
    Condições sociais desumanas está ultima pode até ser , mas para isso, tenho certeza, que é melhor dá dignidade de vida as mulheres do que achar que o problema dela é uma gravidez indesejada.

  10. Olá Alexandre, obrigada por seu comentário! Lamentamos também o fato deste mesmo STF estar há anos adiando o julgamento de ação sobre a possibilidade de aborto no caso de fetos anencéfalos – aqueles que morrem imediatamente ao nascer. Porém, cabe lembrar que foi uma declaração do ministro Gilmar Mendes, isoladamente. Não quero crer que todos os demais ministros tem a mesma posição autoritária de limitar a manifestação e a discussão do tema. De fato, os direitos reprodutivos tem um longo caminho de luta pela frente, mas seguimos atentos. Abraços,

  11. Olá Rogério, obrigada por seu comentário. Não concordo com o que vc diz sobre “crianças com defeitos” e deformação do corpo da mulher”. Aqui, trato do direito de manifestação, constitucional, para que este debate seja franco, fundamentado em fatos – como a morte de milhares de mulheres em razão de abortos feitos clandestinamente, em condiçoes precárias. Não se trata aqui de julgar moralmente mulheres que tomam esta dura decisão. Em segundo lugar, acredito que mulheres não fazem abortos para preservar seus corpos ou eliminar fetos defeituosos, mas por falta de educação reprodutiva, anticoncepcionais, condições sociais desumanas. E se quiserem faze-lo, isto deve se dar sem hipocrisia. Não é a proibição que melhora o cenário. No Brasil, como já afirmei, amparada em uma pesquisa – há mais de um milhão de abortos por ano – pelo menos uma em cada cinco mulheres já fizeram. “Eliminar os pobres”, como vc diz, é o que acontece todos os dias, ao deixarmos que essas mulheres morram ou tenham complicações em razao do moralismo da sociedade. O que altera o cenário é a legalização, acompanhada de educação e saúde para todas. Assim, nos países em que o aborto não é crime, os casos diminuiram drasticamente. abraços,

  12. Juliana,
    Pelo respeito que tenho com você, queria refletir mais um pouco sobre sua idéia.
    Não podemos confundir qualquer pessoa que seja com uma idéia ou atitude preposta. O debate não pode ser estrito ao portador mas ao seu conteúdo, algumas verdades simplesmente estão em nossas consciências e em nosso íntimo, e não podemos considerar alguém de todo o mal que por si só resplandece em suas atitude somente o mal.
    O aborto é um crime contra a vida humana. Porque ninguém tem o direito de tirar a vida de outrem. A ninguém cabe essa sabedoria divina, a clava nas mãos em nome da justiça ou de um direito legal sobre quem deve viver ou morrer. Uma criança não representa apenas um fruto do sexo, ou ainda um estrupo que seja, mas uma vida que renasce, como eu e você e que pela ordem superior que rege o universo veio contribuir ao mundo uma dádiva e esperança.
    Não nos cabe essa decisão contra os desígnios superiores. As mortes acontecem por causa do aborto. Então porque a prática dessa hediondez? Nada obriga a mãe a permanecer com seu filho após o nascimento. Que lutemos por casas de apoio a crianças abandonadas com educação e carinho e amor.
    Como podemos legalizar uma marcha que apóie um assassinato?? Se o mesmo é hediondez?? A mim, posso afirmar, não sou superior a você em nenhum aspecto, simplesmente tenho uma convicção de que posso compartilhar meu amor com vocês para que reflitam sobre essa atitude e não confundirmos as mortes e direitos com outras medidas mais humanas e bondosas que poderiam ser adotadas. Reorganize seus esforços e peça Atitude dos Governos e Mobilizações em torno de Casas de Apoio a Crianças Abandonadas de todos os tipos: abortos, enfermas, crianças de rua. Juntos, podemos fazer um mundo melhor.
    Com carinho,
    Gabriel Almada

  13. Gutemblog disse:

    Juliana,
    Você fala de um assunto que muito me interessa… Até onde é válida uma discussão que hoje é repudiada pela opinião pública? Por exemplo, um século atrás, seria um absurdo completo discutir o casamento de homossexuais no Brasil para a grande maioria e, seria tão repudiado, talvez, como a pedofilia é hoje. Acredita-se que as leis são efeito da sociedade e por isso muitas leis não funcionam quando estão em desacordo com a cultura. O que muda é a cultura e consequentemente as leis. Hoje, vemos uma mudança em relação às causas homossexuais que está provocando uma legalização da união homoafetiva. “Ontem”, condenávamos a morte como penalidade legal. Porém essa ideia tem ganhado muitos adeptos. Algumas coisas consideramos como um progresso, outras como um retrocesso. Como ser justo nessa hora? No momento, eu imagino que toda a discussão é válida, mas quando que se diferencia a discussão e o movimento propriamente dito? A liberdade de expressão é compatível com a democracia? Quais são seus limites? Como permitir o progresso e renegar o retrocesso? Como distinguir o que é um progresso de um retrocesso de uma maneira universal? Isso é um assunto tão delicado e tão polêmico ao mesmo tempo… Os sutis diferenças interpretativas do texto escrito podem dificultar o entendimento de todo um encadeamento lógico.
    O que acha?

  14. Alexandre de Oliveira Kappaun disse:

    Caríssima Juliana,
    Muitíssimo oportuno o seu artigo (além de estar muito bem escrito, é claro!). É curioso e ao mesmo tempo desalentador que o nosso Judiciário, depois do STF ter permitido a união civil de pessoas do mesmo sexo e do STJ ter reconhecido a união civil de duas lésbicas, dê este gigantesco passo para trás no que diz respeito ao debate sobre o aborto em nosso país. Creio que seja possível afirmar que, enquanto no campo dos direitos sexuais a sociedade brasileira esteja avançando (mesmo que aos trancos e barrancos), os direitos reprodutivos das mulheres, garantidos por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, sejam deixados de lado. Temos de continuar lutando para mudar esta situação e fazer com que o Brasil passe a respeitar os direitos humanos das mulheres, dentre os quais os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
    Parabéns pelo artigo!!!
    Alexandre de Oliveira Kappaun

  15. Rogério Fernandes disse:

    A Mulher tem todo o diretio de matar o feto, é apenas uma parte do corpo dela, tipo um apêndice. O feto é propriedade das mulheres, elas tem direito de decidir quem nasce. Por isso, se uma criança tem defeitos para que deixá-la nacer? Para virar um parasita social? Morte a esses conglomerados de células e a essas massa disforme que que se aglutina para formar o ser humano e deformar o belo corpo da mulher.
    Vamos acabar com a pobreza eliminando os pobres? Não! Não deixaremos eles nascer e pronto.

  16. Paulo disse:

    Oi Juliana. Proibições, via de regra, levam a arbitrariedades e, numa situação extrema, ao surgimento do Estado policial (fascista), o que consiste uma permanente ameaça no Brasil; uma república sem valores republicanos já que surgida de um golpe militar. Mas, continuemos avançando e cavando trincheiras se necessário !

  17. Juliana Machado disse:

    Oi Paulo, obrigada pelo comentário! É interessante pensar que o juiz que proibiu a marcha da maconha este ano havia sido condenado por espancar um homem em uma delegacia, certa vez. Outro juiz, também proibidor de oficio, tentou abafar o caso de seu filho que, embriagado, atropelou pessoas em SP. E este supremo juiz que menciono no post, é o mesmo que deu dois habeas corpus seguidos a Daniel Dantas, além de determinar que o pobre empresário não poderia ser algemado – uma regra que só vale para ele. Ou seja, juizos de “valor” tem pesos e medidas diferentes, a depender de qual sujeito está sob acusação. Abraços,

  18. Juliana Machado disse:

    Obrigada, Elaine. Começamos pela liberdade de manifestação. Uma vez garantida, podemos fazer o debate em outro nível. abraços,

  19. Juliana Machado disse:

    Oi Julio, gracias por seu comentário. De fato é sempre bom lembrar que a autonomia do corpo é o corte transversal entre drogas e aborto. O apoio mútuo entre estas lutas pode significar crescimento de ambas, sem hierarquizar nenhuma delas, afinal trata-se da liberdade de decidir sobre o corpo, e da proibição que gera violência para mulheres e homens. A moral recai sobre ambas da mesma forma, numa tentativa de impor ao outro certos controles. Sabemos a quem interessa o atual estado de coisas. 8 de março estaremos lá. abraços,

  20. Interessante o próprio STF nos trazer esse “lembrete” de que as pautas e lutas de feministas e antiproibicionistas devem caminhar juntas, como ficou claro no debate contra a guerra às drogas realizado na ultima sexta-feira na USP. A mudança de mentalidade que buscamos é a mesma, e cada vez mais urgente e ncessária.
    http://coletivodar.org/2011/11/videos-do-atodebate-contra-a-guerra-as-drogas-na-usp/

  21. Ótimo post, Juliana. Super pertinente esta discussão.

  22. Paulo disse:

    Esse assunto ainda vai render, pois para se chegar à plenitude da discussão ampla e livre sobre cada tópico ou tema ‘incomum’, digamos assim, será preciso fazer valer a lei, já que existem aqueles e aquelas que se julgam acima das garantias constitucionais, e tomam como referência geral seus próprios juízos de valor, … em geral bastante arcaicos, diga-se de passagem !!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *