Mulher navio negreiro?

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25 de setembro é Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher, data estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999

Ela e Ele 

Antes, play aqui.

A diferença dessa história com tantas outras é que para mim ela tem um rosto. Um rosto esquálido, cabelos curtinhos e uma risada sonora, um He-he-he em pulinhos, sincopados. E que demorou para sair e terminou brevemente.

Essa história tem rostos, mas não tem nomes, por pedido dos familiares.

Ela – sim, aqui ela passa a se chamar Ela, uma possível vítima-síntese da violência de gênero – se casou com Ele – possível agressor-síntese – aos 22 anos e tiveram cinco filhos. (Essa dualidade, Ela & Ele, agressor versus vítima, não deve ser lida aqui como mero apontamento jurídico que permeia esse debate; muito menos um discurso de vitimização ou não-sujeito; claro, o buraco é mais embaixo).

Havia um padrão nas agressões: Ele bebia, voltava para casa, a espancava e a violentava, e isso muitas vezes em frente aos filhos. Ele também era um evangélico fervoroso e obrigava Ela, católica também fervorosa, a acompanhá-lo, inclusive, também a ser batizada em sua religião. Quando saía para trabalhar encostava um sofá contra a porta do quarto que dormiam, de modo que o quarto sem chaves não abrisse,  e acordava o filho menor para que fizesse vigília, não a deixando sair. Em sua paranoia, Ela tinha um amante, o que justificava o cárcere privado. Ela era  a prisioneira da misoginia d´Ele.

Aos poucos, sua vaidade, seus prazeres e sua saúde foram se descolorindo, juntamente com sua pele. A violência vinha desde o início do casamento, se agravou com o tempo e se arrastou por mais de 20 anos. Os vizinhos e a família não entravam na história, afinal, “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Quando a violência começou a ser acompanhada de repetidas ameaças de morte (e vizinho e família já não poderiam mais se manter indiferentes), Ela envolveu algumas roupas em um lençol e, aproveitando da ausência d´Ele, saiu com os cinco filhos para a casa de sua irmã.

A ameaça de morte continuou, caso Ela não voltasse. Ela o desafiou. Uma mulher não poderia colocar um dedo na cara d´Ele. E, de fato, não colocou. Ela não deu queixa, afirmava com uma moral cristã, não “querer castigá-lo”. No fundo, também confessava se sentir envergonha por ser “desquitada” e com a exposição toda.

Por dois anos Ele não pagou nenhuma pensão para Ela e os cinco filhos. Justiça demorada, né, falava. Ela teve que dar um jeito, as coisas estavam foda e os meninos precisavam comer. Mudou de cidade, “pra facilitar”, e a grana que descolava era vendendo produtos da Avon de casa em casa. A Igreja, a família e os vizinhos também ajudavam no que podiam.

Depois de quatro anos divorciada, Ela morreu em decorrência de um câncer generalizado. São muitas histórias parecidas com a d’Ela, alguns contornos mudam aqui ou ali, mas tudo vem de uma parada mais profunda da sociedade: a questão de gênero.

Dê uma olha nos dados aqui embaixo.

Tantos Elas e Eles

A Central de Atendimento à Mulher ( o “Ligue 180”) registrou 530.542 ligações até outubro deste ano. Ao todo, foram contabilizados 58.512 relatos de violência – 35.891 de violência física; 14.015 de violência psicológica; 6.369 de violência moral; 959 de violência patrimonial; 1.014 de violência sexual; 264 de cárcere privado; e 31 de tráfico de mulheres. A violência moral e a violência psicológica, juntas, representam 34,9% do total de ligações. Ao todo, 82% das denúncias são feitas pela própria vítima. Mas são, claro, números subnotificados e muitas mulheres voltam para viver com o agressor.

Segundo pesquisa da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), 24% disseram que a falta de condições econômicas para viver sem o companheiro é razão que leva a mulher a continuar com o agressor; 23% citaram a preocupação com a criação dos filhos; e o terceiro motivo chama a atenção pela gravidade: 17% acreditam que as mulheres não abandonam o agressor com medo de serem mortas caso rompam a relação.

O discurso feminista do “Ligue 180” concebe a mulher como vítima da dominação masculina que promove a violência conjugal. A libertação da mulher depende de sua conscientização enquanto sujeito autônomo e independente do homem, o que será alcançado através das práticas de conscientização da opressão que sofrem.

A filósofa Marilena Chauí, no artigo “Participando do Debate sobre Mulher e Violência”, afirma que as diferenças entre o feminino e o masculino são transformadas em desigualdades hierárquicas através de discursos masculinos sobre a mulher, os quais incidem especificamente sobre o corpo.

Naturaliza, assim, a condição “feminina” que se expressa na maternidade, base para a diferenciação social entre os papéis femininos e masculinos, papéis esses que se convertem nessa hierarquia entre homens e mulheres. Assim, as mulheres são definidas como esposa, mãe e filha, ao contrário dos homens, em que ser marido, pai e filho é algo que apenas acontece. Esse discurso, segundo Chauí, qualifica as mulheres em “seres para os outros e não como seres com os outros”. E a ideologia machista, na qual se sustenta esse sistema, socializa o homem para dominar a mulher e esta para que se submeta ao “poder do macho”.

É uma relação de poder em que homens e mulheres participam na produção de papeis sociais que legitimam a violência que tá aí.

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5 comentários para "Mulher navio negreiro?"

  1. MI Mi disse:

    não fui eu!!!

  2. Giselle disse:

    Quanta MERDA!
    Um texto tão grande e tão reducionista. No meio de uma discursão séria como essa me incomoda ver pessoas querendo simplificar a vida alheia com simples discursos elitistas e preconceituosos.
    E quanto ao texto, eu acredito na mudança de papéis, situação que ocorre hà um tempo, mas ainda de forma lenta – na minha visão -, e espero ouvir com maior frequência o dito “ao LADO de um grande homem hà uma grande mulher”, aí sim irei perceber que as coisas realmente mudaram.

  3. Julio. disse:

    Acompanhei de perto um caso, de um operário que para mim trabalhava, que, embora não haja violência física do marido para coma a esposa, há violencia simbólica, tlvez a pior, de ambas as partes.
    O homem, rapaz de cerca de trinta anos e a mulher de 26, já com seis filhos para criar, cujas aspirações eram simplesmente ter dinheiro “para dar aos filhos condições dignas” como se dignidade viesse somente de recursos materais. Ele, ansioso por crescimento profissional e intelectual, cuja relação extra-marital com uma mulher com uma melhor compreensão de suas ambições ajudava-o pagando seu curso para passar de oficial pedreira para mestre na construção civil.
    A falta de compreeensão de sua jovem esposa que só tinha ambições de ter uma casinha com bons móveis ” e ter um monte de filhos” e a comida do dia-a-dia contrastava com as ambições de seu companheiro que ansiava melhores destinos.
    Ele, como pessoa de boa indole, avesso a discussões,preferia se afastar de casa para evitar discussões e receber agressões verbais que poderiam resultar em piores desfechos. Este, para evitar piores situações, preferiu se afastar, procurar novos destinos embora, não abandonasse os filhos.
    No entanto, outros de temperamento mais quente, digamos, sofrem com suas insalubres e pesadas condições de trabalho, sofrem com os baixíssimos salários de “trabalhador não qualificado”, rebaixado aos piores estratos sociais, sem condições de comprar a mesma casa que sem o seu trabalho se torna impossível construir, não tem seu valor reconhecido e ainda sofre ao chegar em casa por ter chegado com o “cheiro de uma pinga”, único prazer que lhe resta já que sexo, só se forçado como deduzimos da violência sofrida pela mulher que se recusa a sua “obrigação conjugal por lei’ para , talvez, pressionar o marido a conseguir um pouco de melhora nas suas situações.
    Uma espécie de prostituição legalizada em que a mulher regateia com seu sexo conjugal para tentar obter vantagens.
    Os dois como vítimas sociais da pobreza. Uma por não poder atender as necessidades econômicas assistidas, outro por ver regateado seu mínimo direito de macho em sua satisfação na qual a mulher diz, simbólicamente: você não me serve mais como macho! Na visão primitiva e deturpada das classes sociais mais elementares nasce a dúvida corroborada pelos argumentos de seu extrato social: Mulher que não tem sexo com marido é que já tem outro!!!.
    A este macho sem qualificação profissional cuja única função passa a ser carregar o peso que os outros não querem carregar tem agora como únicos prazeres a cachacinha com os amigos, já que o que ganha não dá para comprar champanhes ou cerveja e, óbvio, as consequencias danosas das reações de uma pessoa com seus intintos modificados pelo álcool quando chega em casa e recebe os impropérios conjugais de sempre.
    Quanto sofrimento e quanta solidão deste homem que se transfere à sua esposa e seus filhos pela insensibilidade social cuja mídia relaciona sucesso sexual com sucesso econômico.
    Quanto sofrimento desta esposa que não o teria se copiassemos alguns dos modos de viver, mais simples de comunidades indígenas do que lutarmos por uma casa cada vez maior e mais cara e um carrão idem.
    Ela, subconscientemente com razão de negar seu sexo pois, a mídia a educou que macho para ter sexo tem de ter sucesso econômico, carrões e iates. Como o seu não tem sucesso econômico, nada mais natural que negar o sexo para que ele se sinta impelido a procurá-lo.
    E assim, nesta prostituição conjugal institucionalizada, homem e mulher como vítimas vão seguindo seu calvário da inanição econômico-social.
    A maioria destes casos de violência ocorrem nos estratos socias mais elementares.
    JÁ VIU ALGUM MONUMENTO AO TRABALHADOR COM SEU CARRINHO DE MÃO, ALGUM DIA?
    NO ENTANTO, DAS PEDRAS DE SUA CASA À CADEIRA ONDE SE SENTA AGORA AO TÂNTALO QUE FAZ SEU BELO CELULAR DE ULTIMAGERAÇÃO FUNCIONAR, SÃO CARREGADOS AO SEU REDOR EM CARRINHOS DE MÃO, SEM O MÍNIMO RECONHECIMENTO, ECONÔMICO OU SOCIAL.
    Ele e ela são, ao mesmo tempo, algozes e vítimas deste processo que faz do casamento uma casa de prostituição da qual ele procurou fugir, se casando.

  4. Paulo disse:

    Depois de naturalizada, socialmente aceita, legitimada por certas crenças, fica muito difícil mudar esse triste quadro. Mas já passou da hora !!! A educação (de qualidade) seria uma forte aliada das mudanças, mas …

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