Juventude, manifestações sociais e megaeventos esportivos

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Face à onda de manifestações pelo mundo e à iminência da Copa do Mundo, o Brasil precisa de uma juventude questionadora que se envolva nas questões de interesse público e social

Por Rogério Ferreira de Souza*

Há quem já compare a recente onda de manifestações com a mobilização ocorrida em 1968, quando os estudantes saíram às ruas de Paris pedindo mudanças nas estruturas no sistema de ensino francês — e no mundo. Todavia, antes de acatar o paralelismo, comumente aceito nas análises jornalísticas e conjunturais, faz-se necessário distinguir a indignação atual da rebeldia de outrora.

Primeiramente, deve-se destacar que, por mais que se encontrem elementos que apontem para uma unicidade nessas manifestações, tais eventos partem de fenômenos políticos e econômicos diferenciados. Por um lado, temos o que se denominou de Primavera Árabe, que pode ser pensada como um processo de “ocidentalização” política dos países árabes ou orientais.

Nesse grupo também incluo a China e a Índia. As manifestações nesses países pedem a substituição de regimes despóticos, teocráticos e autoritários por a formas de governo democráticas e participativas. É o caso do Egito, Líbia, Síria e Iêmem, sendo que, no caso da Líbia, há um interesse geopolítico muito explícito devido às reservas de petróleo e aos contratos de abastecimento com empresas europeias — inglesas, italianas e francesas.

No caso da China e da Índia, percebe-se uma escolha pela economia de mercado de modo capitalista. Há, principalmente na China, a implantação de um capitalismo de Estado que investe na liberdade comercial e financeira, principalmente no que diz respeito às relações com o comércio internacional. Porém, contraditoriamente, o Estado exerce um controle sobre as liberdades individuais e políticas, principalmente a liberdade de expressão. Seria ingênuo pensar que esse contato com a cultura ocidental ocasionaria apenas mudanças nos processos produtivos e econômicos.

Assim como já dissera Karl Marx, os processos produtivos de modo capitalistas nada mais são do que a materialização econômica de uma cultura também capitalista, do consumo e da liberdade de consumir. Além disso, a expressão “liberdade” é cara ao homem e seus efeitos são revolucionários. Podemos pensar na seguinte situação: o individuo é estimulado a pensar que possui liberdades para consumir e escolher seu emprego; por que, então, não escolher também aqueles que me governam, ou seja, por que não escolher e participar da construção do futuro do país? Desse modo, como seria possível conciliar liberdade econômica sem liberdade política?

Já em outro campo de manifestações temos os do lado ocidental, e gostaria de chamar a atenção para um certo desencantamento da população jovem com a sociedade de consumo: não é uma manifestação de rejeição ao consumo desenfreado, mas, pelo contrário, o desencantamento se dá pela impossibilidade do consumo. Seria um acordar para a realidade do modelo neoliberal, ou seja, da impossibilidade de sua real concretude. O estado de bem-estar social fora questionado nos anos de 1970, quando economistas e governantes de duas grandes potências (EUA e Inglaterra) apontavam para a necessidade de mudanças estruturais diante do alto custo e da ineficiência do modelo, que estava impedindo a livre iniciativa do capital de minimizar os custos de produção e de oferecer um conjunto maior de bens de consumo para a população em geral.

Os acontecimentos recentes na Europa correspondem de alguma forma às consequências de uma realidade econômica que, nos anos de 1990, já era anunciada com as manifestações anti-globalização. Naquela época, já se diagnosticava a existência de uma crise econômica e uma incapacidade do mercado em ser o elemento político de uma nação. O mercado e sua lógica de maximização dos lucros despolitiza o Estado, e este tem sido o grande problema das democracias ocidentais. O mercado não pode ser o condutor das políticas do Estado, principalmente as políticas sociais.

Vejamos os eventos ocorridos em Londres, que de uma forma ou de outra vêm se repetindo em outros países europeus e nos EUA. Ao fim e ao cabo, há um retorno ao velho dilema da segregação e da desigualdade social. E não foram só jovens que se envolveram nos confrontos dos últimos meses, mas também adultos e trabalhadores que estão ficando fora do mercado de consumo. São inseridos numa lógica que aponta para a necessidade subjetiva de consumir, mas que são impedidos por uma realidade objetiva: desemprego, renda baixa, desigualdade social, etc., como bem apontou o sociólogo Zygmunt Bauman em seu livro Vida para o Consumo.

No caso de Londres há um elemento a mais: a cidade é sede das Olimpíadas de 2012 e há todo um esforço econômico em preparar a cidade para o megaevento. Por outro lado, há a execução de uma política de austeridade com diminuição dos benefícios sociais e de postos de trabalho. Isso é sintomático, pois aponta para uma contradição não bem resolvida por parte da população pobre: o Estado e o mercado gastam com o evento olímpico ao custo das populações desempregadas e excluídas do mercado de consumo. Por que um mega evento não tem transformado economicamente a vida desses indivíduos? Por que não surgiram oportunidades futuras de trabalho e renda?

Isso é importante para nós, brasileiros, pois estamos prestes a sediar dois grandes megaeventos, e a pergunta que se faz é: o que isso tem realmente, ou melhor, concretamente modificado a vida dos brasileiros? Quais as esperanças quanto ao futuro e às possibilidades de realizações positivas? Eis uma questão a ser posta, fora do âmbito da retórica política “de que vai ser bom para o país”. É preciso uma sociedade civil atenta e atuante. É preciso uma juventude questionadora que se envolva nas questões de interesse público e social, buscando, como sugere o filósofo esloveno Slavoj Zizek, uma nova gramática política e social que possibilite argumentar e discutir formas alternativas às políticas antidemocráticas de exclusão social.

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(*) Rogério Ferreira de Souza é doutor em Sociologia e professor na pós-graduação do Iuperj-UCAM, no Rio de Janeiro

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2 comentários para "Juventude, manifestações sociais e megaeventos esportivos"

  1. Victor Hugo Adler Pereira disse:

    Muito bom e muito claro o artigo do Rogério Ferreira! A imprensa em geral, e os comentaristas políticos da grande imprensa em particular, não tem chamado a atenção para as condições particulares da insatisfação na Inglaterra. A decepção com a expectativa de ganhos para a população por sediar as Olimpíadas é uma lição para os brasileiros (para os cariocas sobretudo!).
    Não se vêem ainda no horizonte sinais de uma mobilização representativa no país por questões análogas às que provocaram as manifestações dos jovens em outros quadrantes. Criou-se, em meu ponto de vista, um consenso de que o Brasil “vai muito bem obrigado” e quase até de que vamos “levar vantagem” com a crise mundial (que não é só econômica, como deixa entrever o lúcido artido de Rogério). Veremos! Victor H. Pereira

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