Ocupações: saudável início de um debate

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O movimento que está questionando políticos e banqueiros irá tornar-se mais forte, examinando a si mesmo

Desde 15 de maio, quando milhares de jovens madrilenhos tomaram a Puerta del Sol e iniciaram uma onda global de manifestações, Outras Palavras dedica amplo esforço e espaço ao tema. Acompanhamos seus desdobramentos na Espanha, sua expansão para a Grécia, Chile, Israel, Estados Unidos. Temos a satisfação agora de publicar três textos em que os próprios participantes dos protestos e ocupações, ou seus apoiadores, lançam observações críticas sobre aspectos do movimento. Quem quer transformar o mundo precisa olhar incessantemente para si mesmo.

A primeira contribuição é um artigo de Immanuel Wallerstein, traduzido por Paulo Cézar de Mello. O grande sociólogo norte-americano, um dos autores da teoria do sistema-mundo, está convencido de que o Occupy Wall Street, agora espalhado por dezenas de cidades norte-americanas, é uma das esperanças para construir uma ordem mundial mais justa e democrática. Em poucas semanas, fez história. Tornou-se legítimo junto a amplos setores da sociedade. Entra agora (precisamente por isso) em nova etapa, mais difícil. Será bom, pensa Wallerstein, evitar dois riscos opostos: ou diluir o movimento, que perderia sua potência rebelde; ou derivá-lo para um culto radical, porém de apoio reduzido.

De Barcelona, nosso correspondente Pep Valenzuela relata algo semelhante. Os indignados tornaram-se populares. Uma pesquisa recente de opinião pública revela que, para 78% dos espanhóis, o movimento “basicamente tem razão”. No entanto, como converter este apoio em pressões efetivas sobre o sistema político institucional? É uma pergunta ainda sem resposta. Em três semanas (20/11), quando toda a Espanha votará em eleições gerais, é provável que surja um governo ainda mais comprometido com “políticos e banqueiros” — os principais alvos das acampadas. Enquanto isso, mostra a reportagem de Pep, o movimento parece aguardar algo, para recobrar a força demonstrada antes das férias do hemisfério norte.

Do Rio de Janeiro, vem um artigo mais mordaz. Bruno Cava, participante ativo da ocupação da Cinelândia (desde 23/10), investiga o assembleísmo — a tendência a subordinar a assembleias as mínimas decisões, e a requerer obrigatoriamente, para elas, o consenso. Para Bruno, isso produz engessamento e desperdício de potência. Se se limitar à busca do máximo denominador comum, o movimento terá dificuldades para traduzir seus valores em ações. Correrá o risco de se autolimitar ao enunciado de slogans justos mas genéricos, como “anticapitalismo” e “autonomia”.

Conforme destaca Wallerstein, os novos movimentos já ofereceram às sociedades uma primeira grande contribuição ao denunciarem o declínio da democracia, sua submissão às finanças, a necessidade de reinventá-la. Porém, é provável que a repetição destas ideias não baste para transformar a realidade. Será útil refletir sobre caminhos e etapas para alcançar objetivos de longo prazo. Por isso, é tão importante abrir o debate autocrítico.

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4 comentários para "Ocupações: saudável início de um debate"

  1. Paulo disse:

    A diversidade de motivações para esses movimentos em sua maioria espontâneos, por si só, já é emblemática. A sociedade está se movendo e o espírito de rebanho vai, devagar, cedendo espaços para questionamentos. Creio que haverá equívocos e erros nessa fase inicial de mobilização massiva, mas com o tempo …

  2. Mais semelhante ao movimento chileno está o que se inicia ca Colômbia: também por educação superior gratuita e de qualidade. Seria interessante acompanhar o que acontece no país mais à direita do continente.
    Em tempo: as detenções e prisões estão se multiplicando nos EUA com o aumento das ocupações.

  3. Bruno disse:

    No primeiro paragrafo se lista o Chile como um dos países para onde os acampamentos e ocupações se “expandiram”. Trata-se de um erro. A revolta estudantil Chilena tem muito pouco a ver com os eventos na Europa e EUA. Tem pautas diferentes, uma organização diferente, uma origem diferente e um desenvolvimento diferente também. E se quer há um sentimento de identidade dos manifestantes chilenos em relação aos europeus (não há faixas, cartazes, panfletos, palavras de ordem, etc, que façam referencias aos acampamentos na europa, por exemplo) . O próprio texto do outras palavras sobre o Chile sequer cita as manifestações europeias.
    Pode parecer um erro pequeno, mas é preciso esclarece-lo para que possamos notar um fato fundamental para analise do movimento dos acampamentos: ele é específico do mundo desenvolvido, e não teve, até o momento, nenhuma expressão minimamente significativa em qualquer país periférico.

  4. egle elizabeth siquera disse:

    Essa enorme contradição é profundamente preocupante. Pessoas q se manifestam contra a ganância corporativa, por democracia efetiva etc, prestes a reintroduzir no poder via eleições, um partido conservador, e muito mais comprometido c tdo
    o q a população rejeita c tta ênfase.
    Dolores, No Pasarán q os iluminem. Abrs,
    Egle.

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