A queda-de-braço entre FIFA e governo brasileiro

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Interessada em ampliar ainda mais seu controle sobre o evento, entidade exige fim da meia-entrada, perseguição a trabalho informal e favorecimento à Budweiser. Autoridades cederão?

Por Irlan Simões

A FIFA encontrou algumas dificuldades na aplicação das suas vastas exigências para a realização da Copa do Mundo-2014. O foco da tensão é o debate da Lei Geral da Copa no Brasil. O presidente da entidade – Sepp Blatter – e seus parceiros provavelmente não imaginavam que determinadas leis locais seriam tabus difíceis de quebrar, mesmo sob a alegação de “excepcionalidade”, que apresentam.

O primeiro entrave foi o pedido de derrubada do direito à meia-entrada, garantido pelas leis municipais e estaduais a estudantes e idosos. A FIFA exigiu dos relatores da Lei da Copa que garantissem que o direito fosse eliminado durante a competição, uma vez que reduziria seus lucros polpudos. No Brasil, porém, trata-se de um direito quase indiscutível, para as mais diversas atividades culturais e transporte coletivo. O direito historicamente foi garantido no futebol nacional.

Os ingressos da Copa do Mundo, por sua vez, são costumeiramente utilizados enquanto moeda de troca para favores dentro da FIFA. Na prévia da Copa do Mundo da Alemanha, Jack Warner, presidente da confederação de futebol centro e norte-americana (Concacaf) foi pego desviando ingressos oficiais diretamente para sua empresa de turismo, com a proteção de Blatter.

O segundo ponto de discórdia é a exigência de maior repressão do Estado brasileiro contra o que a FIFA chama de “pirataria”. Em outros termos, a entidade quer que o estado brasileiro aperte ainda mais os pequenos comerciantes, trabalhadores informais e camelôs que vendam artigos com a marca oficial do torneio sem prévia autorização.

O terceiro desentendimento é em torno do pedido de liberação de bebidas alcoólicas na Copa do Mundo. Seu consumo bebidas foi severamente restringido nos estádios brasileiros com o advento do novo Estatuto do Torcedor, em 2008. Alegou-se que era uma medida necessária para a segurança do torcedor nos estádios. Parlamentares de um vasto arco de partidos aprovaram a medida. Como a Budweiser – uma das maiores cervejarias do mundo e parceira econômica da FIFA – quer garantir o seu lucro de cada Copa, a proibição precisaria ser derrubada.

Esse ponto tem tomado contornos surpreendentes. Muitos torcedores reclamaram que a medida era desnecessária e não influía no comportamento dos nos estádios. Os números sugerem que estão corretos. Os índices de violência dentro das praças esportivas mantiveram-se baixos; mas os incidentes entre torcidas antes e após os jogos, em locais distantes das arenas, não foi reduzido pela restrição ao álcool. O relator da Lei da Copa, deputado Vicente Cândido (PT-SP), afirmou ser a favor do pedido da FIFA, por considerar que “as normas brasileiras precisam de atualizações, e que esse aspecto pode trazer para o Brasil um grande avanço na utilização de aparatos jurídicos”.

Como se vê, porém, as exigências da FIFA são mais amplas. Vicente Cândido terá que escolher, no fim das contas, de que lado fica. Ou dos cartolas (ele mesmo é vice-presidente da Federação Paulista de Futebol), ou dos que defendem direitos como a meia-entrada e não querem repressão contra os trabalhadores informais.

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Um comentario para "A queda-de-braço entre FIFA e governo brasileiro"

  1. Os pontos levantados no debate sobre a Lei da Copa são relevantes, porém acredito que outras questões mais sensíveis estão passando “batidas”: a possibilidade da criação de tribunais de exceção para julgar “crimes” no período do evento, como se viu na edição sul-africana da Copa em 2010, é muito grave e pode resultar na suspensão do chamado “estado democrático de direito”, com a aplicação de penas muito severas para crimes de menor importancia (como o furto) e julgamentos com pouca ou nenhuma possibilidade de defesa, iniciados e concluidos em apenas três dias. A concessão de vistos de entrada no país é outra prerrogativa que a FIFA reivindica: a soberania do Estado brasileiro de decidir sobre imigração seria sequestrada durante o período da Copa e caberia à entidade privada decidir sobre quem entra no país. Quanto ao trabalho informal, creio que a perseguição já começou e atinge apenas a ponta da cadeia deste mercado (os camelôs). Somente em SP, o numero de licenças para exercer a atividade de vendedor autonomo / ambulante caiu para 2% do total em relação a 2004. Abraços,

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