O declínio da chanceler alemã

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Depois de série de derrotas eleitorais, Angela Merkel pode enredar-se em crise política. Avanço da direita europeia pode ser mais frágil que se pensa

Em 2009, quando ela renovou o mandato de primeira-ministra (“chanceler”, segundo a designação alemã), agora à frente de uma coalizão de direita e centro, sua vitória foi vista, na mídia convencional, como um sinal de modernidade. Em 2010, chamou-se de “realismo” sua pregação, nas reuniões do G-20, em favor de cortes de gastos públicos. No final do mesmo ano, os moralmente conservadores julgaram “corajosa” sua avaliação segundo a qual o multiculturalismo havia “fracassado”; e os imigrantes interessados em viver no país deveriam adotar “a cultura e os valores alemães”.

Um ano depois, para tristeza (e silêncio…) destas vozes, Angela Merkel está em declínio. No ultimo domingo, ela sofreu a sexta derrota seguida, em eleições para renovação dos governos dos Estados alemães — desta vez, na Pomerânia do Oeste. Um novo fiasco deverá ocorrer em Berlim, dia 18/9. Se as eleições para o governo federal fossem hoje (normalmente, elas ocorrerão em 2013), a chanceler teria apenas 36% dos votos.

Seus dramas não param por ai. Começaram a surgir, nas últimas horas, evidências de que o programa ultra-draconiano defendido por Merkel para a Europa em crise pode ser incapaz de coesionar sua própria base parlamentar. Cerca de 20 parlamentares da coalizão governista (além do CDU, os social-cristãos-CSU e o Partido Liberal-FDP) estão anunciando que votarão contra o pacote costurado pela União Europeia para “resgatar” os países em dificuldades.

Costurado sob a liderança de Merkel e do presidente francês Nicolas Sarkozy, o programa exige, dos países “socorridos” cortes drásticos de direitos sociais e serviços públicos. Nem isso contenta os parlamentares rebeldes. Eles querem simplesmente inviabilizar os “resgates”, o que provocaria uma crise imediata do euro, e equivale, em certa medida, à posição da ultra-direita norte-americana, que ameaçou em agosto provocar o default da dívida dos EUA.

Se a rebelião avançar, a chanceler viverá um curioso dilema. Terá de recorrer à oposição, composta pelos social-democratas, Verdes, e Partido de Esquerda. Estes já anunciaram que concordam em apoiar os parceiros europeus mais atingidos pela crise. Porém, exigem, como contrapartida, mudanças no conjunto da política econômica. Frisam, em especial, a criação de um imposto sobre transações financeiras (semelhante ao Tributo Tobin) e a regulamentação do sistema financeiro.

Que faria Merkel, nestas circunstâncias? Negociaria com a esquerda, para escândalo de parte de sua base política? Ou abandonaria a política de “resgate” dos países atingidos, o que comprometeria por completo sua liderança e credibilidade no bloco europeu? Seja como for, o declínio da chanceler revela algo importante. A deriva da política institucional para posições cada vez mais retrógradas, na União Europeia, não são favas contadas. Há brechas a explorar — principalmente em casos como o alemão em que os partidos à esquerda, na oposição, mantém certa fidelidade a seus ideais históricos.

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Um comentario para "O declínio da chanceler alemã"

  1. Arthur Ferreira disse:

    Ainda hoje, li no Valor (por João Villaverde) que a UE, segundo Niall Fergunson, é uma tragédia anunciada devido à ausência de uma união fiscal. Embora os argumentos seja muito convincentes, é difícil imaginar um ponto sem nó por parte dos bancos privados alemães, suíços e franceses ( e seja mais de onde surjam grandes instituições financeiras privadas). O declínio de Ângela Merkel será mais um passo rumo à sangria dos cofres públicos do povo alemão em favor, não do déficit grego ou português, mas, das agendas privadas que se apoderaram inclusive do parlamento europeu ( nas Ámericas isso já é passado, afinal que agenda é da maioria por esses lados do Atlântico?). Ângela Merkel está no seu lugar, entre a cruz e a espada, pois, após conduzir a Alemanha para assumir a estatura de locomotiva européia pós-2008 e ter a hegemonia continental, pagará as custas da agenda capitalista germânica com a decapitação política e em nada mudará a conjuntura do velho mundo. pois se a Alemanha herdou a indústria, a França herdou a sabedoria do ditado: “Tudo muda para permanecer igual”. Vai Ângela, fica a máquina exportadora.

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